Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

domingo, outubro 30, 2005

604. Reflexões da treta



O problema actual do Estado é que já se esqueceu – é engraçado tratar o Estado como um ser pensante, não é? – para que é que serve. O Estado não deve ser algo que serve alguns mas deve ser um meio para atingir certos objectivos que o homem não consegue atingir individualmente!

Deve o Estado ser uma forma de proteger o interesse dos cidadãos? Sim, mas não os de alguns! Antes do interesse de um número indeterminado de cidadãos vem algo que pode parecer um conceito sem significado mas que tem toda a razão de ser, o bem comum. E esse conceito de bem comum entra, na maior parte das vezes, em conflito com o interesse de muitos, mas não entra em conflito com uma noção romântica de sociedade justa e com capacidade de crescimento, material e social!

Por isso deixo dois avisos:

- Ao Governo que deve pensar nos objectivos mais basilares do Estado antes de fazer reformas que levam a lugar incerto – por exemplo não deve pensar só numa perspectiva de custo mas sim no quadro global, isto é, o objectivo é fornecer um serviço público de qualidade a um preço eficiente num quadro de recursos exíguos;

- Aos cidadãos que não devem, voluntaria ou involuntariamente, travar as reformas que vão ao encontro de um Estado mais justo e eficiente! Dito doutra forma devem olhar menos para o umbigo e para a defesa de direitos que chamam de adquiridos, seus ou do vizinho, que só servem o interesse de alguns mas que distorcem a justiça global.

Dito isto – desta forma crua e de la palisse – devo acrescentar que dificilmente Governo e cidadãos percebem o que deve ou não ser feito. E porquê? Porque já ninguém se lembra para que é que o Estado serve...

sábado, outubro 29, 2005

603. Sala de Cinema: Lord of War



Realizador: Andrew Niccol
Elenco: Nicolas Cage, Jared Leto, Ethan Hawke

Este filme deve ser analisado perante dois pontos de vista.

Como cinéfilo digo que estamos na presença dum filme muito "fraco" e passo a explicar porquê. Porque o argumento é pouco credível, é previsível e tem diálogos muito básicos. Também porque as interpretações são sofríveis e as personagens têm pouca densidade. A questão da credibilidade parece, à primeira vista, importante porque o filme é pretensamente baseado em factos reais mas, como vou explicar mais tarde, esta pode ser uma falsa questão!

Como cidadão do mundo tenho que ver este filme doutra forma. O filme mostra uma face do mundo que ninguém consegue negar que existe. Neste “outro” mundo – que é o mesmo que todos partilhamos – o negócio de armas é um dos mais lucrativos do mundo não só porque enriquece muitos mas porque permite que poucos influenciem o destino de muitos. E nem a ONU fica ilesa neste filme (com toda a justiça, devo dizer). E neste "outro" mundo ninguém escapa à sede por poder e dinheiro, nem mesmo as crianças. E a pretensa ligeireza com que o tema é tratado neste filme só é passível de ser compreendida por ser impossível aceitar o que se passa sem tentar tornar tudo burlesco.



Só juntando os dois pontos de vista é que entendo porque é que o filme não procura ser mais credível nas situações específicas e nos pormenores negociais. O realizador opta por contar a história duma forma enviesada, ou seja, está tudo lá duma forma mais ou menos real porque ninguém duvida que todas estas situações realmente aconteçam. A melhor forma de contar uma história que a todos choca é optar por um certo surrealismo. Por exemplo o que parece ser um evidente erro de casting – Nicolas Cage e Jared Leto como ucranianos – pode ser entendido doutra forma, isto é, os tais “factos reais” têm que ter uma capa de improbabilidade para termos estômago para assistir. Por isso Nicolas Cage não é o “dealer” Yuri Orlov mas todos os Yuris que negociaram armas ao longo de décadas – durante e após a Guerra Fria – e talvez isso explique porque é que durante mais de 20 anos (o horizonte temporal do filme) a personagem não envelhece nem evoluí. Se esta não era a intenção do realizador então peço desculpa por o estar a sobrevalorizar.

Como curiosidade tenho que acrescentar que este filme não conseguiu apoio de nenhum estúdio americano e que acabou por ser produzido por capital não americano.

Síntese da Opinião: Acima de tudo para reflectir e para perceber que o que está em jogo pertence a um campeonato que não conseguimos alcançar. É impossível assistir às "evidências" - com mais ou menos surrealismo e exagero - sem saírmos com uma sensação de pura impotência!

602. Sala de Cinema: Les Poupées Russes (As Bonecas Russas)



Realizador: Cédric Klapisch
Elenco: Romain Duris, Kelly Reilly, Audrey Tautou, Cécile De France, Kevin Bishop, Evguenya Obraztsova

Fui ver este filme porque dava continuidade a um que recebeu boas críticas – A Residência Espanhola ou, no original, Auberge Espagnole – apesar de ainda não ter visto as aventuras deste grupo de jovens em Barcelona. Mas não considero que por não ter visto o primeiro filme perdi a capacidade de avaliar a "sequela" e acho que até muito pelo contrário. Deste modo posso avaliar este filme sem a limitação de estar preocupado se as personagens tiveram continuidade e/ou se houve coerência. Posso analisar o filme tal como ele é.



O filme tem como cenários principais Paris, Londres e São Petersburgo onde o jovem Xavier (Romain Duris) persegue uma carreira como escritor e tenta encontrar um sentido para a sua vida sentimental. O filme é cosmopolita no sentido que alberga um remoinho de culturas diferentes duma forma natural, leia-se, isso é encarado como se fosse normal e saudável. E, de facto, este tipo de filmes são o melhor antídoto para um certo xenofobismo latente na Europa. Até os diálogos são multilingue o que confere ao filme um toque especial.

Mas o problema do filme é que não basta fazer uma comédia ligeira e bem escrita para fazer um bom filme. Falta-lhe, acima de tudo, alma! As personagens, tal como na vida, andam a vaguear à procura dum rumo - ou da rua com as dimensões perfeitas - mas, dada a quantidade de personagens, acabam por ser esquemáticas. Deste modo falta alguma profundidade ao filme no desenvolvimento da maioria das personagens. O cliché do escritor/ narrador da história era dispensável e o filme tinha ganho bastante se não tentasse fazer regressar tantas personagens que só lá estão para satisfazer os adeptos do primeiro filme (Audrey Tautou está muito sub aproveitada no filme e o seu papel é pobre). No fundo, o filme tinha ganho – não em bilheteira – se não tivesse nada a ver com o primeiro pois seria mais económico na quantidade de personagens!

De qualquer forma se estiverem em dúvida entre esta comédia e 95% das comédias “made in USA” escolham esta!

Síntese da Opinião: Para quem, como espectador, está farto de ser tratado como um anormal pelas comédias com adolescentes americanos!

sexta-feira, outubro 28, 2005

601. Pequenas notas, pequenas ironias

1. Quem esteve atento ao manifesto eleitoral de Cavaco percebe que este é o primeiro a retirar qualquer dúvida sobre qual é o seu papel.

"Ao presidente da República não cabe legislar nem Governar"

[Lembrando que conhece bem as dificuldades que se colocam a um Governo] " nos tempos de mudança" [que o país atravessa e que exigem] "decisões corajosas e determinadas"
Cavaco Silva

Como já tinha referido anteriormente - e as (sensatas) palavras de Cavaco só confirmam - é uma utopia estar a votar neste candidato para definir políticas económicas. E como também já defendi quem defende a teoria que este é o melhor "ajudante" que Sócrates podia ter - e Cavaco reforça a teoria - também está, implícitamente, a concordar com o rumo do Governo. Agradecia esclarecimentos!

Admito que Cavaco é um homem com sentido de Estado mas temo que vamos ter um Presidente na linha de Sampaio porque Cavaco é propenso a ser o "bom aluno", leia-se, o aluno obediente com a agravante de que agora não vai definir a política económica mas sim orientar-se pela política económica alheia. Digo, sinceramente, que sou muito mais adepto do tipo de entendimento que Soares fez do cargo de Presidente enquanto o exerceu.

2. Depois de emitir rasgados elogios ao Orçamento de Estado o PSD parece que agora está decidido a votar contra. E porquê? Porque o Governo não recuou na questão da Ota e do TGV! Vamos ver se entendo... o Governo orçamentou para o ano que vem estudos em relação a estes projectos e, para já, pouco mais! Sabe-se, adicionalmente, que o Governo pretende gastar poucos recursos com estes projectos via parcerias público/ privados. Por isso o impacto destes projectos no Orçamento do próximo ano é praticamente nulo! Até duvido que atinja uma percentagem na casa das unidades no investimento público devendo ficar pelas décimas ou centésimas. Perante este cenário alguém tem dúvidas que o voto do PSD é este porque, independentemente da lei de Orçamento, já era assim que estava definido?

quarta-feira, outubro 26, 2005

600. Quem é que querem enganar?



Eu acho que os blogues de apoio "oficioso" aos candidatos arranjaram umas mascotes engraçadas. Mas o que é que o Super Mário e o Mega Cavaco acrescentam às eleições?

Estas mascotes acrescentam uma dose de boa disposição à campanha mas a mensagem é falaciosa. Digo isto porque acho que ambas as mascotes foram feitas para contrariar os pontos fracos dos candidatos. Mas a minha opinião é que os pontos fracos não desaparecem com campanhas de alteração de imagem e deviam ser assumidos em vez de tentarem passar uma imagem que não corresponde à pessoa! É que depois torna-se ridículo ver a pessoa e esta não coincidir com a imagem.

Senão veja-se:

- Alguém duvida que se o Mário desse um salto parecido ao Super desmanchava-se todo? Porque é que Soares não assume a idade e a energia (ou falta dela) que tem em vez de tentar parecer de novo jovem?

- Alguém duvida que se Cavaco fosse mandado para o espaço os extraterrestres fugiam por causa do cheiro a mofo? Porque é que Cavaco não assume que tem uma forma conservadora de ver o mundo e o Estado e deixa de tentar parecer radical e futurista?

Não sei quem são os autores destes bonequinhos com piada mas deixo na mesma um aviso! O problema da manipulação da imagem dum político é que este perde a sua autenticidade! Em vez de tentarem passar uma imagem que contrarie os defeitos inerentes do candidato deviam tentar passar mensagens com conteúdo e não deviam ter medo de mostrar os candidatos como eles são. É que no fim estamos a votar em caricaturas e não em homens!

P.S. Parece uma daquelas conversas virtuais numa sala de conversação em que a rapariga diz que tem 1m80, olhos azuis e que pesa 60 quilos. Mas quando é convidada a sair ela avisa: "Sabes, ganhei uns quilos com o tempo, perdi as minhas lentes de contacto azuis e estou mais baixa porque desci da cadeira"! Tenham dó!

terça-feira, outubro 25, 2005

599. As grandes perguntas desta campanha

1. Cavaco tem perfil para o cargo? Será que está realmente diferente?



2. Soares continua a ser fixe? Será que ainda consegue mobilizar o país?

segunda-feira, outubro 24, 2005

598. A perversão dos cenários filosóficos



Há teorias que foram avançadas em diversos blogues em relação ao possível comportamento dos candidatos presidenciais no cargo que são, no mínimo, divertidas. Uma dessas teorias é que Cavaco Silva vai ser mais compreensivo com as medidas difíceis que o Governo está a implementar e que vai ser um factor de estabilidade para ajudar o Primeiro Ministro nessa tarefa. Por outro lado Soares é apresentado como alguém que não compreende esse rumo e vai ser um entrave ao Governo. Parece maquiavélico, não acham? Ainda por cima porque, ao mesmo tempo, reduzem Soares a um candidato do partido, mas que mais parece do PSD do que do PS.

Cuidado! Quem defender esta teoria tem que defender, por arrasto, algo que não sei se querem defender. Porque, implícitamente, ao defenderem esta tese para votar Cavaco também estão a dar a entender que estão satisfeitos com o trabalho deste Governo e que querem que este rumo seja aprofundado.

Como isto pode ser irónico! Sendo assim, baseado nesta teoria, vou fazer um pequeno exercício de lógica a todos os que se encontram nas seguintes situações:

- Quem quer votar Cavaco Silva tem que explicar porque concorda que este seja compreensivo com o Governo e, ao mesmo tempo, porque não concorda com as medidas do Governo!

- Quem quer votar Mário Soares tem que explicar porque concorda que este não seja compreensivo com o Governo e, ao mesmo tempo, porque concorda com as medidas do Governo!

Como estou inserido no segundo grupo vou fazer o meu papel apesar de achar esta teoria um verdadeiro disparate (como diria Carrilho)! Mário Soares nunca foi um homem de extremos mesmo quando não concordava com as políticas económicas de Cavaco, como aliás este último reconheceu quando saíu do cargo de Primeiro Ministro. Mesmo antes de ser Presidente Soares nunca se encostou a um dos extremos e foi sempre um político moderado como líder da oposição ou como Primeiro Ministro. É preciso não esquecer que foi capaz de implementar medidas bem mais difíceis do que as que estão actualmente em curso no Governo Sócrates quando o país estava perante a bancarrota. Por isso, mesmo num cenário de discordância com o Governo, o máximo que Soares fez foi tentar influenciar e contrabalançar socialmente algumas medidas. Eu concordo – com as reservas que tenho exposto ao longo do tempo neste espaço - com as medidas deste Governo mas não confundo Belém com a moradia dum segundo Ministro das Finanças nem quero que daí surjam as políticas económicas. Só quero alguém que, exactamente, contrabalance algumas das medidas mais penalizadoras e obrigue a existência de maiores consensos e diálogo (não estou a falar de inacção).

Por isso quem estiver a espalhar esta teoria pela Comunicação Social e pelos blogues devia responder ao desafio que coloquei: está ou não de acordo com as políticas do Governo? Se não estão então querem que Cavaco imponha outro rumo e este deixa, por definição, de ser um factor de estabilidade! E se defendem que Cavaco é o mais compreensivo com as políticas deste Governo então também não deviam utilizar simultaneamente a redutora teoria que Soares é o candidato do PS e, ao mesmo tempo, o candidato anti-Governo apoiado pelo PS. Estão confusos? Mas isto é só o resultado desta mirabolante teoria!

Mas ainda há mais uma ironia no meio disto tudo. Eu diria a ironia das ironias. Já repararam que as medidas que o Governo tem implementado - mudança nomeações políticas, política de reformas, combate aos regimes de excepção, congelamento das promoções automáticas, entre outras - não são mais que a desconstrução do Estado (gordo) que Cavaco criou?

Por isso cuidado com as teorias que constroem por aí pois as conclusões podem não ser bem as que desejavam...

domingo, outubro 23, 2005

597. Repto para uma mudança de mentalidade!



Temos um problema estrutural na nossa mentalidade que é muito comum nos latinos. Não estou a revelar nenhum segredo de Estado quando afirmo que os portugueses são algo laxistas em relação à exigência em quase todas as questões da sociedade. Há pouca ponderação a criticar o vizinho quando temos telhados de vidro e essas críticas raramente têm consequências não verbais, isto é, sabemos que algo não funciona bem e criticamos mas não fazemos nada para que haja uma efectiva mudança.

Na fase “depressiva” - económica e na motivação colectiva - em que vivemos não fico espantado quando temos uma crescente dificuldade em acreditar que podemos “virar o jogo” e caminhar para uma sociedade mais desenvolvida e justa! Por isso também não me espanto quando constato que Portugal vive numa certa nostalgia de tempos melhores o que faz com que procure Dons Sebastiões associando certas pessoas a tempos “menos difíceis”. Mas o caminho que temos que percorrer vai trazer cada vez mais dificuldades, com formas imprevisíveis, porque há algo que tem que mudar em Portugal... o nosso grau de exigência!




É exactamente neste ponto que surge o meu apelo, leia-se, é necessário uma mudança de mentalidade e uma cultura de exigência que permita outras formas cívicas de pressão à mudança. Portugal está onde está única e exclusivamente porque nós construímos este Portugal onde tudo é um reflexo do nosso grau de exigência - alto como, por exemplo, nos supermercados e baixo como, por exemplo, na programação televisiva – repito, tudo é o reflexo da nossa exigência colectiva!

Eu acho que alguma coisa está a mudar. Veja-se as novas regras de nomeação públicas – não são perfeitas mas há um maior sentido de justiça – e as mudanças nos previlégios dos políticos e de algumas classes profissionais que gera(va)m movimentos cumulativos de despesa que cria(va)m desigualdades sociais. Veja-se as inéditas (e pesadas) condenações por parte da Autoridade da Concorrência a empresas farmacêuticas e de panificação por concertação de preços que lesaram o Estado e os consumidores em quantias avultadas. Veja-se a exigência de construír casas com banda larga (as chamadas casas do futuro) e, em breve, com regras de climatização mais apertadas. Veja-se a pressão dos blogues para que sejam publicados os estudos da OTA. Veja-se a surpreendente dimensão da investigação à banca por fraude fiscal e branqueamento de capitais iniciada pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária com o adequado nome – apesar de pomposo – de “Operação Furacão”. E há muitos mais exemplos...

Só falta adaptar o nosso grau de exigência ao Portugal que queremos construír. A nossa intervenção cívica tem que mudar através duma mudança de mentalidade que vai reflectir-se em pequenas atitudes que vão modificar o todo.

Por exemplo exigir – porque temos esse direito - bons serviços públicos na Saúde, na Justiça, na Educação ou numa qualquer repartição do Estado. Sempre que haja falta de profissionalismo, atrasos inaceitáveis ou comportamentos impróprios dos funcionários utilizar os livros amarelos e outros mecanismos à nossa disposição e não assobiar para o lado por preguiça ou medo de represálias! Assim como exigir que não hajam buracos na estrada, falta de actuação de polícias nas multas de estacionamento, que não hajam parques e espaços públicos sujos ou degradados. E exigir sempre isso por escrito nos locais próprios! E também temos o direito de sermos exigentes com os serviços privados porque pagamos, e bem, e não podemos aceitar situações de abuso de poder de mercado, de evasão fiscal e nem podemos assobiar para o lado sempre que somos enganados na qualidade do serviço ou produto. Para isso temos vários mecanismos dos quais destaco a DECO, a Autoridade da Concorrência e o simples acto de exigir sempre factura.

Não temos desculpa para não construírmos um Portugal diferente. A culpa não é “dele” ou “daquele” ou “daqueles” mas “nossa”! Fica dado o repto e só falta começar a dar os tais pequenos passos...

sexta-feira, outubro 21, 2005

596. Sala de Cinema: Alice



Realizador: Marco Martins
Elenco: Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Miguel Guilherme, Ana Bustorff, Gonçalo Waddington, Ivo Canelas

É uma enorme responsabilidade escrever uma crítica a este filme porque não é fácil exprimir em palavras a intensidade do mesmo. Não estou a sustentar que estamos perante o expoente máximo do nosso cinema mas afirmo, sem hesitação, que em conjunto com Noite Escura estamos perante do melhor que se tem feito de cinema em Portugal nos últimos anos, ou até décadas! É raro que um filme parta duma ideia simples (mas poderosa) e não a largue nem por um momento até que fique bem claro o que está em jogo. E fazer isso com eficácia é ainda mais raro! E o que está em jogo é o drama do desaparecimento duma criança e o seu efeito nos pais! A criança chama-se Alice!

Os pais são Nuno Lopes e Beatriz Batarda que são, respectivamente, uma promessa do cinema nacional e uma confirmação do enorme talento. O primeiro faz uma interpretação contida mas de enorme expressividade e a obsessão com que se entrega ao trabalho faz lembrar o Robert DeNiro dos anos 70 ou 80. A segunda é uma actriz fabulosa capaz de transparecer uma enorme fragilidade mas, ao mesmo tempo, uma enorme força de vontade. A cena da sua “explosão dramática” está forte mas sem excesso o que confirma (como se fosse necessário) a sua qualidade. A maior parte das personagens secundárias (com excepção para Miguel Guilherme) são um pouco estereotipadas e não conseguem transmitir o mesmo grau de realismo que o resto do filme tem mas, mesmo assim, não são o suficiente para manchar a qualidade da longa metragem.



Mário (Nuno Lopes) vive obcecado em encontrar a sua filha e coloca, em vários pontos da cidade, câmaras de vídeo para tentar encontrar a sua filha a passar na rua. Segundo ele, ela vai ter que voltar a passar por ali, mais cedo ou mais tarde. É deste modo que Mário interage com a cidade, leia-se, em apartamentos mais ou menos degradados de Lisboa habitados pelos seus amigos e conhecidos que julgam que este está à beira de perder a sanidade mental. As imagens de Mário no meio das televisões e das fotografias além de visualmente bem conseguidas são uma abordagem original do realizador para transmitir o desespero da ausência e a solidão que um homem enfrenta quando luta por algo duma forma que mais ninguém parece compreender. O filme faz-nos também reflectir sobre os perigos para a nossa privacidade da instalação de sistemas de vigilância.



Marco Martins tem aqui o que julgo ser a sua estreia nas longas metragens e nota-se que fez um filme com paixão e entrega. O aspecto visual do filme está adequado apesar de, no início, irritar um pouco a câmara desfocada. Mas depois de ver o filme não consigo adivinhar uma melhor forma para o filmar. Posso afirmar que Marco Martins pode, rapidamente, ganhar um lugar de destaque na nossa pequena indústria cinematográfica. Basta continuar a ter a entrega que teve neste filme.

Mas o que é realmente surpreendente é a forma como Lisboa é retratada neste filme (a história não deve ser menosprezada mas confesso que foi esta visão de Lisboa que fez com que definitivamente me rendesse ao filme). Lisboa aparece aqui como uma cidade abstracta e desfocada, onde toda a sua luz (natural) é sugada por um manto constante de chuva. É interessante a personagem estar rodeada por milhares de pessoas e, ao mesmo tempo, estar absolutamente só no meio de todo aquele anonimato. A maneira como Mário interage com o trânsito da cidade dá a imagem duma cidade que já conheceu melhores dias, onde os operários seguem obedientes - mas duma forma algo caótica - em direcção a uma vida sem afectos, de completa indiferença. De notar que o filme não tem figurantes o que lhe dá um realismo que não podia ser alcançado duma forma “treinada”.

Síntese da Opinião: Quem gostar de filmes negros com uma quase ausência de cor alicerçados numa boa história, boas representações e uma realização imaculada deve ir ver este filme. Sem preconceitos em relação ao nosso cinema, se faz favor!

595. Candidatura de Cavaco Silva



Serei só eu que acho que é um "imperativo de consciência" fazer tudo para que Cavaco Silva não ganhe as eleições para Presidente da República? Ou será que devo votar no "pai do Monstro" só porque acho que na Presidência da República deve estar o verdadeiro Ministro das Finanças?

“Não podemos resignar-nos a esta situação. Eu não me resigno”
Cavaco Silva

Esta frase é lapidar! Revejo-me nela e não vou votar Cavaco Silva.

“Temos de restabelecer a confiança, mobilizar as energias nacionais e reencontrar o caminho do desenvolvimento equitativo. Sei que isso é possível. As capacidades dos portugueses, já demonstradas noutras ocasiões, são uma garantia de que podemos vencer, esta foi uma razão determinante da minha decisão”
Cavaco Silva

Porque é que Cavaco está agora preocupado com o desenvolvimento equitativo? Não foi ele que encheu Portugal de Betão e esqueceu-se que havia um Portugal para além do Betão? Não foi ele que desconfiou da capacidade dos portugueses ao manter uma política do escudo forte?

“Em Março do ano passado, numa entrevista na televisão afirmei que só admitia candidatar-me à Presidência da República em circunstâncias especiais ligadas ao futuro do país. Foi o que aconteceu. Sei que, na Presidência da República, posso ser um factor de confiança e credibilidade”
Cavaco Silva

É ou não é verdade que o grande desafio deste Governo é desmontar o "Estado" construído pela política de Cavaco Silva na "engorda do Monstro"? É ou não verdade que Miguel Cadilhe, ex-Ministro das Finanças de Cavaco, denunciou que as promoções automáticas instituídas no reinado Cavaco criaram o "Monstro"?

"fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que gerações mais novas, os nossos jovens, recebem, não a pesada herança que lhes dificulte a vida, mas uma janela de oportunidades de progresso”
Cavaco Silva

Será que o expoente máximo da definição de "oportunidade perdida" é o melhor candidato para potenciar o aproveitamento de oportunidades para os jovens? Quem é o verdadeiro responsável pela "pesada herança"?

"Não me candidato para satisfazer uma ambição pessoal. Candidato-me porque tenho orgulho em ser português e não me resigno pelo actual estado de coisas”
Cavaco Silva

Qual é o actual estado de coisas? Um país paralisado porque não aproveitou as oportunidades do passado? Quem será que não as aproveitou?

“Para que não restem dúvidas quanto à minha independência, pedi a suspensão da filiação no PSD” "Candidato-me como um homem livre”
Cavaco Silva

Ainda bem que Cavaco é independente! Deste modo podemos tentar esquecer o seu passado e a sua instrumentalização da RTP sem nos esquecermos do Estado laranja que criou! É por isso que, livremente, nos vamos esquecer que para ele Democracia resume-se a que não existam "forças de bloqueio" para que ele "possa trabalhar". Será que o Governo vai ser uma "força de bloqueio" para a política económica que a presidência vai querer implementar? É que não conheço mais capacidades a Cavaco que não a sua perspicácia económica (coufgh, coufgh)! Será ele o homem dos consensos e o melhor árbitro para o jogo que se avizinha?

Tenham em atenção que eu raramente tenho dúvidas e que nunca me engano! O verdadeiro tabú é perceber as qualidades que os portugueses, nas sondagens, vêem neste homem!

quinta-feira, outubro 20, 2005

594. Das brumas da memória... Cavaco, versão 3.1!




Após meses escondido nas brumas da memória eis que hoje o candidato dos tabús vai avançar. Será que finalmente vamos perceber porque é que este homem tem perfil para o cargo? Ou será que vamos ter uma campanha em que o candidato vai arrastar atrás de si uma máquina de fazer nevoeiro?

Alguém sabe o que Cavaco defende para Portugal ou para o mundo? Quem souber pode enviar para o correio electrónico ou deixar um comentário neste pasquim. Aceito conjecturas e frases recicladas de discursos da Tatcher e do Reagan...

*Tópicos Relacionados:
(408) A Esquerda Resignada e a Direita Refém
(429) O “Monstro”: Pai e Filhos (4)
553. Presidenciais (3): Tem Cavaco Silva perfil para Presidente? Expliquem-me porquê...

593. Depois de 427 anos de espera...



Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis

segunda-feira, outubro 17, 2005

592. O Referendo sobre a descriminalização do aborto



Legenda da imagem: Um exemplo do que não está em jogo, ou seja, ninguém está a querer referendar o aborto


1. Porque é que nunca devia ter sido feito um referendo!

Há uma hipocrisia gritante sempre que este tema é discutido. Nunca foi defendido que o aborto fosse liberalizado nem nunca ninguém tentou tornar o aborto como um método contraceptivo ou algo que devesse ser feito de ânimo leve. Mas é exactamente por estar a ser praticado de forma cruel e de ânimo leve que justifica uma intervenção diferente do Estado. Só após a discriminalização (interrupção voluntária da gravidez até determinado mês de gestação sem constituir crime) é que o Estado pode actuar num estabelecimento legal de saúde. Discriminalizar não é incentivar!

A hipocrisia reside exactamente neste ponto: o Estado não pode actuar na prevenção, apoio e informação porque não é legal e a polícia e justiça não actuam porque são "obrigadas" a ter um papel dúbio onde não se condena ninguém - por pressão social e por mero bom senso - mas que têm que fingir que actuam por força da lei e das denúncias. Parece que é mais fácil ignorar o problema que combatê-lo. Por isso o referendo nunca teve sustentação, leia-se, porquê referendar algo que apenas vai de encontro a um mais eficaz combate regulamentar do aborto clandestino? Qual é a utilidade dum referendo numa questão que só visa dar ao Estado mais meios para combater o problema e que não significa um apoio ao aborto?

Não se trata duma desistência mas sim de enfrentar o problema duma forma não demagógica, realista e responsável. O pós referendo - no caso da vitória do "Sim" - tem que ser acompanhado com um sinal claro que as pessoas têm que ser responsáveis quando debatem o futuro duma gravidez. E isso só pode ser feito junto das pessoas e não com panfletos do tipo: "A todos aqueles que estão a pensar infrigir a lei e que, por isso, não podem procurar informação e aconselhamento vamos difundir, à distância, informações gerais sobre o tema. Note-se que sabemos que não há abortos mas para a eventualidade de haverem vocês deviam saber isto... Como não sabemos quem contactar vamos mandar uma carta a todas as mulheres com mais de 18 anos e menos de 70 anos (ou será melhor a partir dos 12 anos?)" Não acham isto tudo demasiado caricato?

O referendo foi um triste espectáculo de demagogia e desinformação de todas as partes e nada mudou nestes anos. O impacto do "Sim" é incerto mas tem, pelo menos, a virtude de passar a haver meios legais para enfrentar o problema e, mesmo que o resultado final seja o mesmo, pelo menos há a opção de fazer o que já é feito em condições de dignidade e higiene.


2. Porque é que tem que ser feito um referendo!

Porque não podemos corrigir um erro com um erro ainda maior. Qualquer solução que saia fora do âmbito dum referendo nunca será duradoura e pode causar um agravamento dos problemas de confiança entre os cidadãos e os seus representantes uma vez que já houve uma consulta prévia.


3. O que o referendo não vai resolver!

Vai continuar a haver abortos de risco em situações em que a gravidez já se prolonga para além da data imposta em referendo! O Estado tem que perceber que não pode combater a decisão da mulher "pela força" e tem que actuar - através da informação e da proximidade - para minimizar este problema. Eu até defendo, em tese, que não haja nenhum período limite para o aborto mas não quero trazer para o debate mais confusão. No fundo, mesmo que a mulher não tenha o direito de decidir o futuro do que está a gerar, ela vai ter sempre os meios - legais ou ilegais, com ou sem higiene, colocando ou não em perigo a sua vida e futura reprodução – para impor a sua decisão. Sou contra o aborto mas a vida não é perfeita e não posso julgar ninguém até porque quem disse que, por exemplo, um bébe gerado por uma violação ou portador duma deficiência também não tem direito à vida? O problema é complexo mas esta parece-me a única forma de combater o fenómeno e a hipocrisia.

Também não vai resolver o problema de todas as mulheres que, por condicionamento social, receiam ir a um estabelecimento legal de saúde e, por isso, dificilmente vai erradicar uma significativa percentagem de abortos clandestinos. Mas passa a haver uma opção e isso faz toda a diferença do mundo!


4. O que é urgente!

Que o referendo seja feito rapidamente e que se faça, pela primeira vez em Portugal, um referendo realmente informativo sem excessos de parte a parte. E espero que haja o bom senso de não voltar a votar “Não” porque era estar a criar um problema bicudo e a tapar o sol com a peneira. Esta é a minha (pouco) democrática opinião!


Nota Final: Sou muito descrente da utilidade informativa dos referendos mas também sou muito crítico da falta de discussão pública de certos temas. O que será melhor? Uma campanha de desinformação ou a não discussão dos temas? São dois maus cenários e a Democracia ainda não encontrou a forma ideal de discutir seriamente os temas civilizacionais...

591. Porque às vezes estou de acordo com Miguel Sousa Tavares




” (...) Quero que os magistrados deixem de mandar na justiça, que os professores deixem de mandar na educação, que os farmacêuticos deixem de mandar no orçamento da saúde, que terminem os privilégios e mordomias dos ‘corpos especiais’ da administração pública, quero que, tirando casos verdadeiramente excepcionais e de senso comum, todos tenham de trabalhar o mesmo número de anos para ganhar a reforma e que se salve o que se conseguir salvar de um sistema de protecção social ameaçado por causas naturais.

Ao contrário do que diz Pacheco Pereira, estas reformas, longamente reclamadas por pessoas como ele, não são populares. É verdade que cada sector, por si próprio, é capaz de discordar da greve do vizinho e da sua contestação a medidas que a maioria reconhece como justas; mas, quando toca a si mesmo, já acha justa a greve e a contestação. Porém, o critério de justiça que as reformas devem ter exige que elas toquem a todos por igual e, simultaneamente, que a todos incomodem, que a todos causem prejuízo efectivo e ponham fim a sagrados ‘direitos adquiridos’. Por isso mesmo é que nenhum governo até hoje – incluindo os tão injustamente afamados ‘governos reformistas’ de Cavaco Silva – se tenha atrevido a tentar mexer no ‘pântano’. Porque o preço a pagar é justamente este: eleições perdidas, autarcas e caciques locais revoltados, aparelhos partidários desmotivados. O bem comum há-de ser sempre o prejuízo dos interesses instalados. (...)”

Miguel Sousa Tavares, Público, 14 Outubro 2005

domingo, outubro 16, 2005

590. Páginas Soltas (18): Carne de Cão, de Pedro Juan Gutiérrez



“Continuei a caminhar e a olhar para a areia. Ao pé de outro coqueiro havia um preservativo usado, cheio de esperma. Muito sémen. Centenas de formigas movimentavam-se nervosas, excitadas, dentro da camisa e à sua volta. Bebiam, comiam, mastigavam e engoliam espermatozóides. Centens de pequenas formigas, alegres e divertidas, devoravam os microscópicos cadáveres de milhares de seres humanos. O banquete das formigas.

Caminhei um pouco mais à beira-mar até que o vento me secou completamente. Vesti-me e fui para casa. Talvez tudo se organize à minha volta e apenas precise de continuar só e em silêncio, a observar a brutalidade em carne viva e visceral, como se a vida fosse um drama interminável.

«A vida é uma comédia», disse para comigo. É preciso repeti-lo até ser verdade. A vida é uma comédia. A vida é uma comédia.”

Pedro Juan Gutiérrez, Carne de Cão


Carne de Cão encerra o “Ciclo de Havana Central”, um conjunto de cinco livros escritos por Pedro Juan Gutiérrez que teve início com Triologia Suja de Havana e que teve continuidade com O Rei de Havana, Animal Tropical e O Insaciável Homem-Aranha.

Este livro é um conjunto de contos que têm a mesma personagem central – que se confunde com o autor, sem sabermos onde está a linha que separa a ficção e a realidade – e que descreve o quotidiano dos habitantes de Havana. É um dia a dia repleto de decadência onde os habitantes da cidade parecem atingidos por uma letargia que os imobiliza até à morte. Eu posso descrever a vida destas pessoas através da palavra apatia – onde só o rum, a erva e a busca incessante pelo sexo preenchem a vida – mas também tenho que reconhecer que há um sentido prático da vida que as sociedades mais ocidentalizadas preferem ignorar. “Nós” também estamos envoltos num sono profundo, só não o sabemos reconhecer.

A linguagem é crua e intensa e apesar deste ser, provavelmente, o pior dos cinco livros continua a ter o dom de não nos deixar indiferentes. Não há aqui beleza e consistência narrativa mas sim uma sensação de realismo, leia-se, conseguimos aceitar todas estas histórias como credíveis. A linguagem é banal e vulgar mas é a única forma de entender este estado mórbido em que vivem muitos dos habitantes de Havana. A ler nem que seja para que alguns dos preconceitos e incompreensões que temos em relação à mentalidade de quem cresceu e foi educado de maneira diferente sejam dissipados.

*Tópicos relacionados:
(395) Páginas Soltas (14): O Insaciável Homem-Aranha, de Pedro Juan Gutiérrez
Memórias do Filho do 25 de Abril: Literatura

sábado, outubro 15, 2005

589. Sala de Cinema: Serenity




Realizador: Joss Whedon
Elenco: Nathan Fillion, Gina Torres, Adam Baldwin, Summer Glau

Fui ver o filme Serenity porque gostei do estilo leve e inovador da série de televisão com que se baseou. Firefly era uma série com diálogos irónicos que misturava dois estilos, a Ficção Científica e o Western. Foi cancelada antes de começar a subir as audiências e tornou-se numa série de culto só após a decisão de acabar.

O filme mantém algumas das (boas) características da série mas, como é óbvio, ver um filme não é a mesma coisa do que ver uma série. O que parece inovador na caixa mágica aqui parece banal. É como ver o filme dos X-Files, isto é, é só mais um episódio de maior duração e com mais meios. Mesmo assim é bem melhor que ver um filme do Star Trek.

O grande trunfo da série era ter muitas personagens bem estruturadas e, em filme, isso é impossível porque o tempo é curto para dar destaque a muitas personagens. Por isso não recomendo o filme principalmente a quem nunca viu a série. É o típico filme que mais vale ver encostado ao sofá!

Síntese da Opinião: Não recomendo o visionamento na sala de cinema! Recomendo o DVD para completar a série de TV!

*Tópicos Relacionados:
(382) Em DVD: Firefly, de Joss Whedon

588. Gustav Klimt - Recordações de Viena

"I have the gift of neither the spoken nor the written word, especially if I have to say something about myself or my work. Whoever wants to know something about me -as an artist, the only notable thing- ought to look carefully at my pictures and try and see in them what I am and what I want to do."
Gustav Klimt



Gustav Klimt - The Kiss


Gustav Klimt - Judith I


Gustav Klimt - Judith II

sexta-feira, outubro 14, 2005

587. O país refém da luta entre os "carteis" dos medicamentos e o Governo!



A reforma no preço dos medicamentos só está a prejudicar os... consumidores. Entalados numa guerra entre Ministro e Laboratórios a situação começa a ficar grave para os consumidores de medicamentos. O Ministro da Saúde, Correia de Campos, preparou uma lei que reduzia as margens de lucro dos laboratórios e, ao mesmo tempo, diminuía a factura do Estado. Não vou avaliar a qualidade da lei porque não tenho formação e informação adequada para o fazer. Mas posso avaliar a ética das medidas da Corporação:

- os medicamentos não estão a ser disponibilizados para venda fora das farmácias;

- os medicamentos aumentaram seis por cento (individualmente em proporção da antiga margem);

O Ministro da Saúde já recorreu à Autoridade da Concorrência. Estamos perante uma situação inaceitável! Cada vez mais é visível que as Corporações só servem para criar mecanismos de vampiresca apropriação dos recursos do Estado e que não defendem os seus consumidores. Em qualquer negócio do mundo o consumidor é o mais importante mas aqui não porque há uma inversão do funcionamento normal dos negócios, ou seja, o consumidor tem que obedecer para poder sobreviver e a corporação vive em cartel logo não tem que se preocupar com a insatisfação deste. E também é visível que se o Governo quer ter sucesso em certas reformas tem que ter um maior diálogo com os afectados mesmo que não abdique do objectivo final. Não é difícil prever tempos difíceis na área da saúde...

P.S. Autoridade da Concorrência condena cinco farmacêuticas a pagar multa por cartelização (um comportamento reincidente e admitido pela Roche, uma das farmacêuticas condenadas)

Fontes: Câmara Corporativa, Bodegas, Público

quinta-feira, outubro 13, 2005

586. O destaque dado às "desgraças" é saudável?



Os portugueses - é a minha nacionalidade com orgulho mas sem nacionalismos exacerbados - têm o péssimo hábito de criticar tudo e todos - defeito que admito também ter - e, frequentemente, não conseguem - conseguimos - reconhecer que nem tudo corre mal e que nem tudo resume-se ao que aparece na Comunicação Social.

Hoje comprei o Público e inúmeras páginas estão ocupadas com o piloto português preso na Venezuela, com a requisição civil, com as greves, com o caso Joana, com o caso Casa Pia, entre outras notícias nacionais e internacionais, do desporto e da sociedade. Sobre a inauguração da A25 apenas um artigo no caderno local.

E, pergunto eu, porque é que o destaque a esta obra é tão reduzido? É ou não é verdade que, durante anos, a falta de segurança nas estradas portuguesas tem tido um destaque constante? É ou não é verdade que a sinistralidade na IP5 tem sido alvo de forte destaque e, por vezes, até dum voyeurismo inaceitável? E agora que uma importante parte da IP5 é substituída pela A25 (entre Albergaria-a-Velha e Viseu, isto é, 46 quilómetros faltando a ligação até à Guarda que estará pronta no próximo ano) e a segurança desta estrada é bastante reforçada porque é que não há interesse da Comunicação Social em realçar e destacar isso? Que prioridade estranha a do nosso país e dos seus habitantes onde só a "decadência" merece destaque...

E há outro aspecto que urge destacar! O Governo não fez inaugurações durante a campanha eleitoral para as Autárquicas e inaugurou este importante troço da A25 três dias depois das eleições! É um bom hábito e mais um passo para credibilizar a política. A juntar a esta atitude houve, nos últimos meses, uma "moralização" dos privilégios da classe política e alterações nas regras das nomeações e indemnizações e será que só as nomeações de Vara e Gomes merecem destaque? Note-se que não estou a sugerir que não devemos destacar e criticar fortemente as nomeações políticas feitas sem critério! O que sugiro é uma mudança de atitude em relação ao que corre bem neste país...

quarta-feira, outubro 12, 2005

585. Calendário Político

Este post vai ser duma inutilidade constrangedora porque vou comentar o tacticismo partidário. Considerem-se avisados! Mas não podemos deixar de ser pragmáticos e, deste modo, aceitar com naturalidade que o jogo político condiciona a tomada de decisões. E cada vez é mais evidente que a estratégia do Governo e do PS está condicionada ao calendário político. É que após o sacrifício das autárquicas e das presidenciais há um período de três anos - sim, três anos - sem eleições. Com mais ou menos referendos há uma oportunidade única para governar sem a pressão de eleições durante um longo período.

Por isso não fico espantado com a insistência do Governo em "despachar" o referendo do aborto e com a insistência da oposição em tentar que este seja efectuado mais tarde. Confesso que acho que o Governo está algo desinteressado quanto ao resultado final das Presidenciais e do referendo ao aborto. E digo-o com algum desgosto...

Aceitando então como provável que não vai haver eleições durante três anos e que há uma maioria absoluta dum só partido na Assembleia compreendo, em retrospectiva, que o Governo tenha começado a agir de forma tão dura no início. Mesmo com actos eleitorais no início do mandato, o Governo sabia que tinha e tem uma oportunidade única para fazer reformas de fundo num país imobilizado por corporações, lobbies e grupos de interesse. E sabe que, tão cedo, nenhum Governo vai ter esta capacidade para alterar estruturalmente o funcionamento do Estado. Se tudo correr como previsto o Governo espera, em dois ou três anos, resolver o problema financeiro e aproveitar um novo ciclo de crescimento económico para ter uma recandidatura de sucesso. Nunca o sucesso do país esteve tão interligado com a possibilidade de reeleição. Já não há espaço de manobra nem para os políticos nem para o país!

Por tudo isto é que o próximo Orçamento é importante. É um teste importante à coragem (ou falta dela) do Governo. Após a moralização das excepções que proliferam na Função Pública há cinco importantes desafios para este Governo nos próximos três anos e que este Orçamento pode já sinalizar: 1) Introduzir o mérito na Função Pública; 2) Combater a burocracia e a corrupção no Estado, o que permite a eficiência nos gastos do Estado; 3) Inverter a tendência do capital pagar cada vez menos impostos, de forma legal e ilegal; 4) Promover o reforço da fiscalização no pagamento de impostos e na Segurança Social (não só às empresas mas também aos cidadãos); 5) Garantir um serviço público de qualidade na educação, justiça e saúde. Estes cinco objectivos são, simultaneamente, lugares comuns e reformas inadiáveis. E não são intangíveis, basta ver os passos corajosos e certeiros que a Ministra da Educação está a dar para servir de exemplo para os outros ministérios.

Este é o papel do Governo! O resto cabe ao sector privado! A conjuntura e o calendário político são únicos e resta saber se, contra tudo e todos, o Governo vai ter coragem de lutar por estes objectivos até ao fim.

Eu avisei que este post ia ser duma inutilidade constrangedora. Agora não se queixem...

segunda-feira, outubro 10, 2005

584. Autárquicas 2005

Há uma conclusão prévia que convém sublinhar: Não houve um aumento da abstenção (o valor foi muito parecido ao verificado nas últimas eleições autárquicas - um pouco menos de 40%) e a subida dos votos em branco e nulos foram marginais (mesmo assim houve um aumento de cerca de 0,5 pontos percentuais no conjunto destes votos). Contesto assim a ideia que os políticos estão completamente descredibilizados. Continua a haver interesse pela vida pública! Considero que, mesmo assim, a exigência em relação àqueles que nos representam continua a ser insuficiente nos actos do dia a dia (fora dos actos eleitorais).

Também tenho que referir que os partidos sairam prejudicados com as opções que fizeram ao excluir das suas listas candidatos que, duma forma ou doutra, têm esclarecimentos a efectuar nos tribunais. Mas saem destas eleições com a credibilidade reforçada e, a prazo, vão retirar dividendos disso. Com uma excepção (que não deixa de ser uma excepção importante) todos os outros candidatos obtiveram vitórias expressivas. Continuo a defender que a justiça e a política são campos diferentes e não vou desvalorizar a importância da presunção da inocência mas não deixa de ser interessante o sinal que as populações lançam com estas votações. Veja-se o caso de Fátima Felgueiras que claramente desrespeitou ordens do tribunal e que em vez de esclarecer o que realmente se passou na Câmara resolveu assumir o papel de vítima e, mesmo assim, merece a confiança dos habitantes de Felgueiras. E Valentim Loureiro que está embrulhado em inúmeros casos de duvidosa legalidade (com escutas muito sintomáticas a virem a público) e que, mesmo assim, foi reeleito. Eu já disse o que tinha a dizer e, quem quiser, que tire outras conclusões.

Quanto aos resultados analiso-os da seguinte forma. Há dois partidos que foram vencedores claros: o PSD - que obteve o maior número de Câmaras assim como as mais importantes - e a CDU - que obteve importantes reconquistas e, entre elas, a Junta Metropolitana de Lisboa. Há um partido que sofre uma derrota e não vale a pena ignorá-lo, leia-se, o PS obtém um resultado medíocre. Mas também não vale a pena colocar em causa o Governo porque a natureza das eleições é diferente e porque não houve nenhuma hecatombe (a esquerda teve a maioria dos votos e o PS teve mais que 35% da votação) . O Governo vai ter 4 anos para provar que tem um rumo para o país e o teste do Orçamento é bem mais importante para si do que o resultado destas Autárquicas.

Por fim umas notas:

- Exige-se de João Soares uma longa reflexão sobre a sua vida política;

- Na Madeira a hegemonia laranja voltou a concretizar-se e, uma vez que não há alternância há 30 anos, convém que haja uma reflexão sobre este fenómeno. Ainda por cima tem havido mais evidências (onde já havia indícios) de que algo vai mal no Reino da Dinamarca e de que há um abuso visível em relação às "liberdades" (de imprensa, indidividuais, de oportunidades) e, mesmo assim, nada muda. Para não ser incoerente com o que escrevi nos parágrafos anteriores convém não misturar estas eleições com as regionais (Governo Regional) - apesar de Alberto João Jardim ter-se esquecido disso com as suas polémicas declarações sobre a distribuição de fundos às autarquias - mas, mesmo assim, acho que é necessário reflectir sobre a qualidade da democracia nesta região;

- Por fim quero relembrar a Rui Rio que, de facto, a política e os tribunais são orgãos diferentes e que o Túnel de Ceuta não foi referendado. A vontade popular não pode ser mais forte que as leis da República e do que as decisões dos tribunais.

quinta-feira, outubro 06, 2005

583. Autárquicas 2005: A nossa responsabilidade

Há sintomas duma doença graves no nosso Sistema Democrático! Mas parece que a moda é criticar sem tréguas os políticos. Estou farto! Parece que não há responsáveis por esta situação a que chegamos sem serem os "malandros" dos políticos. Não temos o país que queremos mas a culpa não é nossa, é daqueles "gajos" que só querem "tachos", que estão "comprados pelas grandes corporações de interesses" e que só estão na política porque não arranjam trabalho em mais lado nenhum. Isto tudo é um claro exagero e uma perigosa generalização que só serve para uma desresponsabilização geral e para afastar ainda mais os mais qualificados da política.

Os políticos são o bode expiatório de tudo o que corre mal. Não há ninguém a fugir aos impostos neste país, a ser laxista no seu local de trabalho, a enriquecer de forma estranha, a requerer baixas fraudulentas, a acumular o subsídio de desemprego com o ordenado ou a pedir cunhas em tudo o que é serviço? E mais... haverá exigência democrática e cívica em relação aos destinos do país? É que para além dos políticos serem um reflexo dos portugueses (sem tirar nem pôr) também são o resultado directo da nossa exigência enquanto cidadãos...

Se está na moda sermos populistas e demagógicos então também vou ser. Porque é que temos melhores supermercados que políticos? É simples! Porque somos mais exigentes como consumidores do que como cidadãos!

Temos vários candidatos que são arguidos e, como já tive oportunidade de defender, perderam a reserva de explicarem publicamente o que aconteceu ao dinheiro colectivo quando optaram pela recandidatura. Os cidadãos têm que exigir explicações sobre o seu próprio futuro e sobre a forma como o seu dinheiro é gasto, leia-se, podem e devem exigir transparência!

Se um (ou alguns, ou todos) destes candidatos ganhar que conclusão podemos tirar? Que, surpresa das surpresas, os partidos fizeram o seu papel e que, surpresa das surpresas, que os "gajos" que querem que o país seja uma rede de interesses e de tachos são os... cidadãos! Parece que os responsáveis por tudo o que corre bem ou mal neste país afinal somos nós e não só os partidos. Estes, afinal, são apenas um reflexo de todos nós e do nosso grau de exigência.

segunda-feira, outubro 03, 2005

582. Análise parcial da qualidade da Democracia na Madeira



O Público, num artigo escrito por Tolentino de Nóbrega, denunciou uma situação que não constituí nenhuma surpresa para aqueles que conhecem a realidade madeirense. Segundo o artigo (publicado no Sábado), "Jardim deu ordens escritas sobre as notícias que jornal estatizado devia publicar". Estas "ordens escritas" aparecem reproduzidas em conjunto com o artigo.

Como já referi o grau de surpresa é nulo. Já há algum tempo veio referido na imprensa que um antigo director adjunto do Jornal da Madeira denunciou à Alta Autoridade para a Comunicação Social pressões constantes por parte de elementos do Governo Regional. Por várias vezes também foi referido que a Comunicação Social depende do financiamento indirecto do Governo Regional para sobreviver. Há, portanto, vários indícios e declarações que apontam para a possibilidade da Comunicação Social na Madeira estar instrumentalizada e/ou condicionada (e se fosse só a CS...)!

Não há nada do que foi escrito no Público no Sábado e do que eu estou a escrever agora que seja propriamente uma novidade. Mas há uma particularidade na nota escrita ao jornal que é deveras interessante, leia-se, "Vê se publicas esta história dando uma porrada no Ministro da Saúde. Este texto confirma o ódio e o desprezo deste Governo Socialista pelos Madeirenses" (Paulo Pereira, assessor de Jardim, no verso da nota escrita por Jardim). Confirma-se assim uma estratégia de formatação das mentalidades dos madeirenses que devem lutar contra a opressão dum "inimigo externo" que é, neste caso, a sua própria condição de portugueses. Pessoalmente acho que este discurso "oficioso" repetido até à exaustão e defendido por muitos só serve para alimentar um complexo de inferioridade que subconscientemente vai sendo criado em consequência desta forma de pensar. Infelizmente não assisto nos jovens uma mudança significativa de mentalidade...

Há outra questão que tem que ser levantada e que merece uma posição clara por parte dos candidatos à Presidência. Mesmo que uma maioria eleja um Governo que considera estar a fazer um bom trabalho na Região (e isso não vou contestar apesar de duvidar do rigor das contas e da sustentabilidade do desenvolvimento) será que é legítimo que essa maioria abafe as opiniões duma minoria? Sem querer colocar em questão a existência duma Democracia plena na Região (coufgh, coufgh... desculpem-me, foi um ataque de tosse) como podemos tornear as limitações a que estamos sujeitos no dia a dia (limitações essas de difícil prova) impostas por uma maioria democrática? Aceito sugestões...

P.S. Jardim ameaçou não investir nas Câmaras que não sejam PSD. Perante uma chuva de críticas lembrou que nos gastos do Governo Regional manda ele. O pior é que a ameaça é credível e já aconteceu no passado... Novamente aceitam-se sugestões para sair deste ciclo vicioso...