Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

sexta-feira, abril 29, 2005

(401) Desabafo

Não costumo tocar em assuntos do foro pessoal no blogue porque considero que a nossa privacidade deve ser partilhada de forma seleccionada e privada. Mas vou abrir uma execpção a esta regra...

É impressionante a velocidade com que tudo muda! Num Domingo vejo descansado um filme em DVD e deito-me e na manhã seguinte acordo com dores fortes num braço. Um caroço acabava de tocar um nervo e foi o início de um processo desgastante que dura há quase um mês. O desgaste que advém de ser assistido por 5 médicos, por ter feito 2 TAC´s, 2 Raio X, uma ecografia, uma punção, análises ao sangue e urina é gigantesco ao nível psicológico. Principalmente quando os médicos apontam com grande certeza para cancro (linfoma ou outros tipos terminados em oma).

É fácil explicar que, quando um médico nos diz para fazer um TAC ao abdómen para verificar se há mais lesões em algum orgão, o desgaste mental é grande. E passam dias e mais dias e noites e mais noites para marcar o exame, fazer o TAC e conhecer os resultados. Depois é preciso interpretar os resultados. Todo este processo deixa marcas.

Algo que aprendi com esta experiência é que as doenças de foro oncológico atacam a mente de forma tão agressiva como o corpo. O medo paralisa e não nos deixa viver mesmo que fisicamente nos sintamos bem. Mesmo após ter-me sido removido cirurgicamente o caroço (apelidado nesta fase de gânglio) não sentia dores e estava em plena forma física. Mas qualquer dor nova ou antiga era como um novo alarme e começava a comportar-me como um doente. Estava tranquilo e preparado para os choques que se iam sucedendo a um ritmo diário mas não queria sentir-me doente, leia-se, podia estar doente mas não queria limitar mais a minha vida do que era necessário. Mas limitei-a ao máximo...

Quem nos rodeia raramente apercebe-se que o "doente" não quer ser tratado como um doente. Quem está debilitado fisica ou psicologicamente não quer olhares chorosos, comportamentos frenéticos nem sentimentos de pena. O que eu queria era sentir um ambiente de normalidade para que a doença não ocupasse toda a minha vida. Eu queria falar sobre cinema ou sobre a quantidade absurda de dinheiro que o Mourinho ganha. Eu só queria que os comportamentos fossem os normais porque, no fundo, eu ainda era a mesma pessoa...

Na sociedade que criámos só interessa o presente! O passado é rapidamente esquecido e o futuro relativizado e sempre distante. O homem prefere ignorar que, no limite, morre e que isso é tão natural como nascer. Mas não, nós preferimos nos sentir imortais e não lidar, leia-se ignorar, com a morte. Só assim se compreende porque é que a morte é escondida debaixo dum lençol, porque é que vivemos obcecados com a eterna juventude e porque é que preferimos sentir pena de quem sujeita-se a tratamentos como a quimioterapia do que aceitá-la como uma luta pela sobrevivência, ou seja, como algo natural. Por isso o cancro é um estigma e faz com que quem tem um sinta embaraço, que se feche em casa com vergonha. A nossa sociedade é um dos factores do insucesso da cura do cancro.

Este é o resultado da sociedade materialista que estamos a construír. A "fé" deste novo milénio peca da mesma forma que as religiões seculares que antecederam esta forma de pensar. As religiões preferem alimentar a incerteza sobre o que é a morte que enfrentá-la como algo definitivo e natural e esta nova "fé" materialista prefere simplesmente ignorar que a morte existe. A morte, nas sociedades ocidentais, é algo distante e fruto dum acaso ou azar e é encarada no conforto duma esperança média de vida que cresce todos os dias na mente das pessoas (e que de média tem muito pouco). Não tenho pressa de morrer e sempre terei medo de morrer mas só aceitando este destino com realismo (como algo inevitável e natural) é que posso (tranquilamente) impedir que o medo paralise a minha vida e que a limite a um acto contínuo de respiração. Todos respiramos, poucos vivem!

Neste momento sinto um alívio condicionado! Contra as fortes expectativas médicas afinal não tinha nem um tumor nem cancro. Provavelmente apenas um processo reactivo a algo como um vírus ou um insecto, que vou ter que controlar atentamente. Mas não critíco os (excelentes) profissionais de saúde que me acompanharam excepto no excesso de zelo ao tentarem acelerar a cura. Não preciso explicar o alívio de ter reconquistado um horizonte de vida mas este vai ser sempre condicionado. Para já porque ainda não sei o que provocou o que tive (e pode sempre reaparecer da mesma forma que chegou, sem avisar) mas principalmente porque agora sei que tudo pode mudar de um dia para outro. Hoje sou uma pessoa diferente porque nunca mais vou sentir aquela felicidade ingénua dos tolos que preferem ignorar o que se passa à sua volta! Mas sinto-me mais vivo que nunca... e a descobrir os incontáveis prazeres da alimentação saudável!

Agradeço a todos os que deixaram aqui mensagens de apoio! Sem excepção foram importantes para mim. Em breve, após mais uma curta descompressão, retomo o meu olhar sobre o mundo da única forma que o sei fazer, leia-se, impessoal e fria (como habitual). Este post foi a excepção, não a regra. Também vou retomar as visitas aos blogues que tenho nas minhas ligações porque já sinto saudades da blogosfera e dos blogamigos! Até breve!

quarta-feira, abril 13, 2005

(400) Blogue Suspenso

Há momentos na vida em que todas as prioridades mudam de repente. Neste momento tenho que prestar subitamente atenção à minha saúde e este blogue fica suspenso por tempo indeterminado. Até breve!

(399) Os Primeiros Passos do Governo Sócrates

O estilo de Governação mudou e radicalmente. As decisões são anunciadas com discrição e ponderação. Também por isso é difícil avaliar até que ponto este Governo pretende reformar este país. De qualquer forma há três “vontades legislativas” já anunciadas que eu quero comentar:

- Limitação de Mandatos: Há aqui uma questão de fundo. Sabendo que a alternância democrática é um valor fundamental da Democracia mas, ao mesmo tempo, aceitando como soberana a vontade popular então como encarar esta “limitação” à vontade popular? Da minha parte com muita satisfação. E passo a explicar. A Democracia é o mais perfeito dos sistemas que existem, mas está longe da perfeição e cria vícios que chocam com os seus princípios. É claro que, na maioria das situações, os cidadãos sabem combater estes vícios com os votos mas também é verdade que, sem alternância, mesmo que o poder executivo esteja legitimado pela população já não existe verdadeira Democracia. Por isso a limitação dos mandatos para um máximo de 3, e sem efeitos retroactivos, é razoável e positivo. Confesso que hesitei nesta limitação nos Governos pois a eleição não é pessoal mas indirecta (através dos deputados) mas como não vejo desvantagens nesta limitação e como as campanhas são extremamente pessoalizadas em Portugal acabo por render-me à limitação nestes cargos. Nos Governos Regionais esta medida é ouro sobre azul porque vai permitir a resolução dum erro inicial na negociação das Autonomias (já defendi que as Autonomias foram mal negociadas e favorecem situações de falta de alternância);

- Novas regras nas Nomeações: As novas regras de escolha dos dirigentes intermédios da Administração Pública são promissoras. Da livre nomeação que existe actualmente haverá um processo de selecção. Estes sinais são positivos mas ainda aguardo por mais pormenores quanto ao processo de selecção. Há também a possibilidade de intercâmbio entre o público e o privado. Nos cargos de direcção superior vai haver duas modalidades: os que cessam funções com a mudança de Governo e os que mantêm autonomia quanto às mudanças eleitorais. Aguardo também a relação de cargos que vão estar em cada categoria. Finalmente há passos para a moralização desta situação que se arrasta no nosso país há décadas.

- O Funcionamento do Poder Local: A proposta de acabar com a obrigatoriedade de haver vereadores da oposição no executivo camarário acaba, parcialmente, com uma situação surrealista que é ter membros executivos com o dilema de como ajudar a autarquia sem beneficiar o Presidente da Câmara. Agora (para as eleições de 2009) o sistema fica mais parecido com o processo legislativo nacional onde o Presidente da Câmara faz acordos com a Assembleia Municipal para poder governar. Permite que este convide só os membros necessários a formar uma maioria (se fôr essa a sua opção) funcionando como uma coligação que reparte responsabilidades e não como uma mistura de vereadores com responsabilidades e objectivos diversos. Estou satisfeito com esta intenção de reforma!

São sinais muito positivos que espero ver concretizados sem desvirtuações. Mas ainda há muitos mais sinais que quero ver este Governo dar no curto prazo.

(398) O Laicismo da Constituição Europeia

Nota Prévia: Aconselho a leitura do artigo do Professor Vital Moreira no Público do dia 12 de Abril com o título “Constituição Europeia e Religião”. Este post inspira-se, com algumas nuances, nesse artigo. Como sabem agora a consulta do Público exige um pagamento e por isso não coloco uma ligação a este artigo de opinião.

Começo por saúdar o equilíbrio da proposta de Constituição Europeia (CE) no que se refere à religião. Depois de muitas pressões de grupos católicos e partidos de direita para vincar a “herança cristã” da União Europeia julgo que o resultado final é extremamente moderado e equilibrado.

No preâmbulo do Tratado da CE é invocado o “património cultural, religioso e humanista da Europa”. Esta declaração é completamente inócua e consegue o melhor de dois mundos, isto é, retratar o óbvio (a influência histórica da religião) e, ao mesmo tempo, não comprometer a União Europeia (UE) a uma ligação formal com nenhuma religião. Até porque o tema religioso deve ser tratado com cuidado no “Velho Continente” porque alguns dos períodos mais negros da história europeia estão relacionados com o fanatismo religioso.

Depois convém analisar o artigo 52 que estabelece a não interferência da UE no estatuto que os seus países membros negociaram com as diferentes Igrejas. Este artigo também estabelece como meta um “diálogo aberto, transparente e regular” com as Igrejas e organizações não confessionais. Fico satisfeito com o bom senso demonstrado. A UE não se compromete com uma ligação formal a qualquer igreja mas não interfere com os compromissos assumidos a priori pelos seus Estados Membros. A UE liberta a legislação europeia de moralismos que estejam associados às religiões (quando estiverem em discussão questões civilizacionais) e, ao mesmo tempo, não obriga a uma ruptura com o passado nos países com maior interferência das religiões nas suas legislações. Mesmo assim, se o Tratado da CE fôr aprovado, vai haver muitas dificuldades em legislar sobre questões civilizacionais. Não é o ideal mas é uma posição equilibrada.

Finalmente a Carta de Direitos Fundamentais. Esta carta defende a liberdade religiosa e as suas manifestações em público e em privado. Aqui há um problema com a lei que a França aprovou recentemente proibindo o uso de símbolos e vestuário de identificação religiosa nas escolas públicas em nome do laicismo. Eu sempre achei que a lei francesa confude o que é laicismo (não interferência do Estado nas escolhas religiosas e separação do Estado da Igreja) com esta forma quase totalitária de proibição. Mas, como escreve Vital Moreira, também não é aqui que os franceses podem acusar a CE de não ser laica já que a interpretação desta Carta é idêntica à da Convenção dos Direitos do Homem (1950) e não contraria o direito da França proibir os símbolos nas escolas públicas. Neste ponto concordo com a Carta mas não com a sua interpretação mas também considero que a UE faz bem em não interferir nas decisões domésticas da França porque estas foram aprovadas em sede do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como estando em conformidade com a referida Convenção. E, como devem imaginar, eu continuo a defender que o poder judicial deve ser respeitado mesmo que a minha interpretação seja outra.

Por todas estas razões estou bastante satisfeito com o resultado final do Tratado da CE no que se refere às relações da UE com a religião e com a Igreja Católica em particular. Há um respeito pelas opções dos países mas inserido num ambiente global que incentiva o laicismo.

terça-feira, abril 12, 2005

(397) As Autonomias Regionais no seu melhor



Nota Prévia: Este post baseia-se num artigo de Tolentino de Nóbrega no Público de 09 de Abril. Partes do texto são transcrições do artigo.

A oposição a Alberto João Jardim na Madeira responsabilizou o Governo Regional pelos estragos registados na marina do lugar de Baixo. A associação Cosmos lembrou que tinha alertado para a necessidade de estudos prévios e pediu ao Ministério Público a abertura de um inquérito sobre o investimento acusando também Cunha e Silva (Vice Presidente do Governo Regional) de recorrer à “humilhação pública”.

Alberto João Jardim, segundo o Público de 09 de Abril, aproveitou a recente regionalização das Finanças para deixar claro que os opositores às opções do executivo podem ser alvo de acção inspectiva do fisco. Citando um levantamento feito pelo seu Governo garantiu que muitos dos que afirmam ser seu e dos contribuintes o dinheiro que “está ali” nas controversas obras públicas, “não pagam impostos”.

À primeira vista parece uma violação clara do segredo fiscal com o objectivo de haver perseguição política! Claro que não é, caro leitor! Porque no fundo tem toda a lógica que quem não pague impostos não possa falar mal! E se falar mal é o dever do Governo Regional avisar os restantes cidadãos que esse contribuinte não pagou. É para isso que os outros cidadãos contribuem, para que o Governo não deixe que os que não contribuem falem mal da Governação que custa tanto a pagar.

E quem contribui pode falar mal? Claro que não porque senão está a dar razão a quem não contribui e isso não é justo! E quem não paga pode falar bem do Governo? Claro que sim para provar que o Governo Regional não está a perseguir duma maneira cega quem não paga! Fica assim provado que as críticas de défice democrático do Governo Regional não têm nenhum fundamento! Tenham vergonha e, antes de falarem mal, paguem os impostos!

(396) Páginas Soltas (15): A Vida Como Ela É... de Nelson Rodrigues



Este livro é uma compilação de pequenos contos que Nelson Rodrigues escrevia diariamente para o jornal brasileiro “Última Hora”. O tema é sempre o mesmo, é o adultério. É impressionante alguém ser capaz de escrever mais de 2 mil histórias sobre o adultério.

Os contos são interessantes (apesar de algumas ideias serem utililizadas em excesso) porque abordam a paixão,a morte, o casamento, o desejo e o amor. É um retrato do Rio de Janeiro dos anos 50 e das suas personagens que vivem obcecadas com o pecado.

Vou reproduzir um dos contos (quase integralmente) num português que vem do outro lado do Atlântico:

“SEM CARÁTER

No quarto ou no quinto encontro, apanhou a mão direita da pequena. Fez a pergunta:
- Que anel é este?
- Aliança.
- Você é noiva?
- Ué! Você não sabia?
- Te juro que não.
E ela:
- Pois sou. Noiva. Vou me casar em maio.
- No duro?
- Palavra de honra!
Então, na sua impressão profunda, Geraldo bufou:
- Estou besta! Com a minha cara no chão!
Conhecera a pequena numa saída de cinema, em fim de sessão. Sentindo-se olhado, animou-se. A pequena podia não ser nenhum deslumbramento. Era, porém, jeitosa de rosto e de corpo. Geraldo, hesitante, aventurou:
- Pode ser ou está difícil?

(...)

Com ou sem escrúpulos, Geraldo continuou o romance. Mas, sem querer, sem sentir, foi se deixando dominar pela obsessão do noivo. Nos encontros com a pequena, fazia do outro quase um assunto exclusivo. Indagava: “Conta como é teu noivo, conta!”. Jandira fazia-lhe a vontade:
- Imagina que até hoje não me beijou na boca!
- Por quê?
- Sei lá!
- Ué!
E ela:
- Sabe qual é a mania dele? Deixa tudo para depois do casamento, inclusive o beijo.
- Gozado!
- Não é?
E como o assunto era um beijo, ela recostava a cabeça no seu ombro. Pedia:
- Dá um daqueles, dá!
Com uma espécie de raiva, de remorso, ele obedecia. E assim iam vivendo aquela história de amor. Um dia, porém, há a coincidência. Pela primeira vez a vê, com o noivo, num cinema. Parecia amorosa e feliz ao lado do outro. Geraldo ainda resistiu uns quinze a vinte minutos. Acabou não aguentando. Levantou-se, abandonou o cinema no meio do filme, indignado. Nessa noite não dormiu. Das onze horas da noite até as sete horas da manhã fumou dois maços de cigarros. Subitamente compreendia, com uma dessas clarividências inapeláveis, que amava essa menina até onde um homem pode amar uma mulher. Apertando a cabeça entre as mãos, refletia: “Eu também sou traído. Ela me trai com o noivo!”.

Quando se encontraram à tarde, ele se enfureceu: “Ou ele ou eu!”. Com o lábio trêmulo, perguntava: “Ou tu pensas que eu divido mulher com os outros? Em absoluto!”. Surpresa e divertida, ela indaga:
- Quem é o noivo?
- Ele.
- Pois é. Como noivo, ele tem todos os direitos, ao passo que você não tem nenhum. Claro como água, meu anjo, claríssimo!
Fora de si, agarrou-a pelos braços: “Vamos acabar com isso. Ele é que é o noivo, quem vai casar contigo. E eu sou o carona. Não senhora! Não interessa!”. Quase na hora de se despedirem, Geraldo propõe a solução:
- Vamos fazer o seguinte: você desmancha seu noivado.
- E depois?
- Bem. Depois você casa comigo, ok?
Custou a responder:
- Ok.

Parecia definida a situação. Todavia, no seguinte encontro, Jandira apareceu desesperada: “Desmanchar com o meu noivo pra quê? Não está tão bom assim?”. Tentava convencê-lo: ”Eu continuarei contigo, bobo!”. Fez a pergunta sofrida; “Mesmo depois do casamento?”. Admitiu: “Claro!”. Por um instante ele ficou mudo, em suspenso. E, súbito, exalta-se:
- Assim eu não quero! Assim não interessa!
- Por quê?
E ele, quase chorando:
- Porque o noivo tem todas as vantagens, todas. E, no casamento, o marido é um paxá, um boa-vida. E o amante é um pobre-diabo, um infeliz, um palhaço! Eu não quero ser o amante, ouviste?
A pequena suspirou:
- Você é quem sabe!

A partir de então, sempre que se encontravam, perguntava, ávido: “Já acabaste?”. Jandira respondia: “Não. Ainda não. Amanhã, sem falta”. Mas este “amanhã” nunca chegava. Uma tarde, ele, mais violento, gritou. Ela, ressentida, endureceu o rosto: “Não vai dar certo. É melhor a gente acabar”. Esbugalhou os olhos: “Não vai dar certo por quê?”. E ela, baixo: “Porque eu quero os dois”. Recuou, assombrado: “Os dois?”. Confirmou, sem medo, acrescentando:
- Serve assim?
Com a boca torcida, Geraldo diz-lhe: “Olha, sabes o que tu merecias por este teu cinismo, sabes? Um tiro na boca! Cínica! Cínica!”. Então, senhora de si, a moça apanhou a bolsa no jardim. Ergueu-se: “Paciência”. Atônito, viu-a afastar-se. Mas não resistiu. Correu. Caminhando a seu lado, na alameda deserta, soluçou: “Serve assim! Serve!”. Completou, arquejante:
- Mas eu quero ser o marido! Não quero ser o outro!
Um ano depois, casaram-se. No civil e no religioso, Geraldo viu, entre os presentes, o ex-noivo, num terno azul-marinho, de cerimônia.”

segunda-feira, abril 11, 2005

(395) Páginas Soltas (14): O Insaciável Homem-Aranha, de Pedro Juan Gutiérrez




“Às vezes penso que a vida aqui se reduz realmente a música, rum e sexo. O resto é paisagem.”


O primeiro livro que li de Pedro Juan Gutiérrez foi “O Rei de Havana”. Achei o livro bastante diferente do que estava acostumado a ler. A linguagem parecia ter aquele “realismo das ruas”, de quem realmente viveu aquilo. E fiquei apaixonado pela forma como o autor descreve uma mentalidade que não tem nada a ver com a nossa. Para o autor conseguir-me fazer acreditar como uma pessoa só existe para ouvir música, beber rum e ter sexo (nem sempre por esta ordem) é porque o escritor é mesmo bom.

Depois li o seu primeiro livro publicado em Portugal, “Triologia Suja de Havana” e, mais tarde, “Animal Tropical”. A narrativa de “O Rei de Havana” era completa porque passava por todas as fases da vida duma pessoa e nestes dois livros há uma narrativa que apenas conta pequenas histórias na vida de um homem que nunca sabemos bem se é o autor ou outra pessoa qualquer mas temos sempre a sensação das histórias serem contadas com realismo. Gutiérrez assume sempre uma personagem que mistura factos da sua vida com histórias sobre pessoas (ou personagens) de Havana, tudo escrito duma forma extremamente credível. O dia a dia da vida em Havana é descrito com erotismo e crueldade...

“Converteu-se no cronista da realidade mais crua do país caribenho... (...) Como os melhores autores pícaros, nutre-se de si mesmo, da sua experiência e do seu desengano vital.”
Enrique Tomás

Neste livro, "O Insaciável Homem-Aranha", a saga da vida em Havana continua mas duma forma menos gutural. Talvez pela idade do autor ou da personagem o livro é menos crú, menos violento e mais higiénico (sim, era mesmo higiénico que queria escrever). Mas continua a não haver concessões porque a vida em Havana é dura mas, e também por isso, é o local ideal para percebermos quais as prioridades da vida. Ele só não sabe qual é a ordem dessas prioridades.

*Tópicos Relacionados:
Memórias do Filho do 25 de Abril: Literatura

Nota: Aconselho (a quem gosta deste género de literatura realista e crua e que nunca tenha lido este autor e quiser ler) para seguir a ordem com que ele escreveu os livros.

(394) Álbum de Fotos: Gare do Oriente








(393) Álbum de Fotos: Parque das Nações






domingo, abril 10, 2005

(392) Álbum de Fotos: Lisboa






O que estará no meio da selva? À primeira vista parece o zoo! Será?

(391) Álbum de Fotos: Ponte 25 de Abril (Lisboa)






quinta-feira, abril 07, 2005

(390) 25 de Abril de 1974



Eu não estava a perceber o recente aumento significativo de visitas a este blogue. Constatei pelas referências ao blogue que a partir do google, sapo e altavista cibernautas à procura de palavras chave como "História 25 de Abril", "25 de Abril" e outras estão a abrir esta página.

O título deste blogue é apenas simbólico. Pretende sublinhar que eu beneficio da revolução para poder expressar as minhas opiniões com liberdade e responsabilidade. Nunca fiz, nem pretendo fazer, uma análise à revolução em si porque há concerteza pessoas mais habilitadas para o fazer, desde logo, as que viveram o acontecimento. Por isso ficam aqui algumas ligações para aqueles que procuram outro tipo de informação sobre o 25 de Abril:

Centro de Documentação 25 de Abril
Associação 25 de Abril
Rotas Abertas

De qualquer forma quem abrir esta página à procura de informações sobre o 25 de Abril e gostar do que ler, mesmo que só esteja indirectamente ligado à Revolução, é bem vindo para comentar os textos que aqui escrevo. Viva as nuances da vida, expressas em liberdade!

Nota:
Lamento informar os visitantes deste blogue que procuraram no google pelas palavras "Estrutura da Ponte 25 de Abril" e "INE mata divorcio" que este não é o local indicado para obter essas informações!

Nota aos leitores: Vou para Lisboa até Domingo. Até lá este blogue não vai ser actualizado. Bom Fim de Semana para todos!

(389) Os Caminhos da Europa (2)

Eu não concordo com o que o Raio escreveu como comentário ao meu último post sobre este tema num ponto. Não acho que o alargamento deveria levar a uma diminuição da integração mas sim a uma reestruturação das suas regras tradicionais. O alargamento trouxe a necessidade de flexibilizar as instituições europeias que já se encontravam com dificuldades de funcionamento antes do alargamento (provavelmente esta flexibilização devia ter sido feita antes do alargamento mas isso é outra discussão). Uma maior integração visa um reforço da coesão para diminuir mais rapidamente o “gap” que existe entre países que integraram a UE e a flexibilização visa uma resposta mais rápida dos países face às necessidades actuais da Europa em ser mais competitiva. Destas necessidades nasceu o Tratado Constitucional porventura, concordo, demasiado extenso e complexo.

Aconselho a leitura deste post do Micróbio para entender a tomada de decisões com o novo Tratado de Constituição.

Não acho que este Tratado Constitucional tenha uma matriz ideológica liberal. Não há recuos significativos nas áreas sociais. Provavelmente o “medo” duma Europa liberal em França resulte mais da directiva Bolkenstein do que do Tratado em si. A constituição “instaura obstáculos aos despedimentos e obriga a dialogar com os parceiros sociais, dá salários iguais a homens e mulheres, independentemente do mercado, constitucionaliza a defesa do consumidor e do ambiente e o direito à segurança social” (Koppel, do Die Welt). A Constituição também dá grande peso à Carta dos Direitos Fundamentais. Claro que podia ser mais avançada no plano social mas não concordo que seja liberal.

Na minha opinião o real perigo duma Europa liberal pode resultar da não ratificação do referendo porque uma Europa com um espaço económico livre e com um único mercado sem instituições supra nacionais é que é uma concepção liberal da sociedade.

Repare-se que o “Não” cresce entre a esquerda por causa da directiva Bolkenstein que, insisto, não é objecto da Constituição e nem vai ser aprovado como Durão inicialmente sugeriu. A esquerda junta-se assim a grupos que não tinham uma expressão suficiente para travar o Tratado como os neoliberais e os nacionalistas (que têm como principal preocupação a imigração e a questão Turquia). A aceitação da homossexualidade no Tratado também tem levantado vozes discordantes das alas católicas (aqui está um bom exemplo como a Igreja não devia influenciar as leis civis, mesmo que não mude as suas crenças).

Por ironia do destino foi Durão Barroso com a sua defesa apaixonada da directiva Bolkestein que está a ajudar a matar o Tratado Constitucional. A fúria que esta directiva causou nos partidários do “Sim” pode ter posto em causa a vitória do “Sim” em França. Esta aversão francesa a Barroso culminou num muito mal explicado cancelamento duma entrevista de Durão ao canal de televisão France 2. Há quem fale na Europa, que eu acho exagerado mas demonstra bem o falhanço desta nova Comissão Europeia, que Durão conspira com os ultra liberais para que o Tratado não seja aprovado. Por mais ridícula que seja esta acusação (e é!) demonstra bem que o papel de Barroso na integração europeia tem sido muito criticado pela maioria dos orgãos de comunicação social! Eu nem me atrevo a reproduzir alguns dos apelidos que já foram dados a Durão.

Eu continuo a defender que o Tratado está a ser injustamente criticado por questões laterais ao seu espírito. Ainda não li críticas sérias ao Tratado em si, mas sim críticas a questões que não são objecto do Tratado. A não ratificação do Tratado vai resultar em uma de duas coisas. Ou aprovam unicamente uma mudança no processo de tomada de decisões ou a UE recua até ao ponto em que é unicamente um mercado livre. Acho qualquer das duas decisões mais liberais que a ratificação dum Tratado onde a maioria das críticas nem é pelo seu conteúdo.

quarta-feira, abril 06, 2005

(388) Comentário aos comentários

Os comentários dos últimos posts merecem que utilize o meu direito de resposta para esclarecer uns pontos.

(386) Ainda sobre a morte do Papa

Quando escrevi este post houve, da minha parte, a necessidade de explicar que era contrário aos unanimismos que se criaram à volta da figura do Papa. Disse que, antes de mais, eram prejudiciais à própria instituição que necessita, com carácter de urgência, de se adaptar aos novos tempos para que as novas gerações continuem a aderir como as anteriores. Deixei sublinhado que perante os elogios e críticas havia, com raras excepções, uma onda de respeito e que isso "não podia ser uma análise mais positiva do trabalho do Papa, leia-se, agradar os católicos e ganhar o respeito dos não católicos".

O Pedro Éfe, do blogue Salvos e Afogados, até se deu ao trabalho de explicar a sua fé por correio electrónico (num mail que gostei bastante de ler mas que não reproduzo por razões óbvias) sublinhando até a minha moderação na discussão do tema.

No blogue Velho da Montanha (blogue que gosto muito de ler e que retribuo os cumprimentos), o seu autor rebate as minhas opiniões de forma equilibrada. Concordo em parte com o seu ponto de vista moderado mas acredito que o Estado devia separar-se completamente da religião para respeitar as suas diferenças. Não como em França que o laicicismo foi levado a extremos inaceitáveis mas ser verdadeiramente neutro. Dessa forma respeita a liberdade individual do homem e, ao mesmo tempo, deixa a Igreja exercer livremente as suas convicções. Aconselho a leitura.

De forma surpreendente o Micróbio, autor dum blogue que gosto bastante de ler escreveu o seguinte comentário:

Este post faz-me lembrar o discurso daquele republicano que dizia a alta voz: "Enforcarei o último padre com as tripas do último bispo"...

Eu não quero entrar em desnecessárias polémicas mas aconselho o meu caro colega a ler melhor o que escrevi e o que defendo. Eu respeito a Igreja Católica e os seus membros e apenas reservo-me o direito de lutar pela diminuição da sua influência nas leis civis. Sempre defendi um Estado Laico e só fui coerente comigo mesmo, sem ofender as convicções de ninguém.

(387) Os caminhos da Europa

Depois escrevi este post sobre a Europa e o perigo dos referendos. Expliquei que o Tratado Constitucional é longo e difícil de explicar e constatei que, na maior parte dos referendos as razões que levam os cidadãos a votar "Não" e "Sim" não têm nada a ver com o que está realmente em discussão. Dei como exemplo a França que vai votar "Não" por causa da Turquia e da directiva Bolkestein, pontos que estão a ser discutidos fora do âmbito do Tratado, isto é, são questões que com ou sem a aprovação do Tratado Constitucional são discutidos da mesma forma.

O Raio, do blogue Cabalas, relembrou-me, e bem, que "os argumentos que manifestas contra a realização de referendos aplicam-se a qualquer eleição", acrescentando a seguinte pergunta "Quantas vezes um partido perde eleições por motivos fúteis?". Tenho que concordar que este argumento é válido e temos que conviver com as virtudes e defeitos das Democracias. Mas também relembro que defendi a realização do referendo apesar das minhas dúvidas que a discussão seja séria e esclarecedora: "Eu defendo um referendo em Portugal para discutir este tratado mas confesso que dou pouca credibilidade a discussões sérias em sede de referendo."

Já o Micróbio fez o seguinte comentário:

"Olhano para o post anterior e para este e passando em revisão todos os posts deste blog (sendo excepção os de índole "técnico-cinematográfico") levam-me a crer que tu não não acreditas na Igreja, como não acreditas na Europa e como não acreditas em nada. Posso perguntar se acreditas em ti?"

Tenho que confessar que olhei com surpresa para este comentário. Se há alguma coisa que me acusam com frequência é defender com demasiada paixão a integração europeia por isso fico sem perceber o comentário. Já o facto de não acreditar na Igreja o que digo é que sou agnóstico (tenho esse direito) mas tenho sempre o cuidado de realçar a importância da fé. Tenho um profundo respeito por quem não pensa da mesma maneira que eu e quando discordo faço-o sempre explicando as minhas razões com o máximo de objectividade que consigo. Mas confesso que li com mais revolta a parte final do comentário, o de não acreditar em nada e a questão se acredito em mim. Eu sou Republicano, Democrata, Socialista, Federalista e Agnóstico. Acredito na tolerância, na liberdade individual do homem e na liberdade. Exijo competência a quem gasta o meu dinheiro e o respeito pela lei nacional e internacional. Só não acredito em mim porque acho que não nos devemos levar muito a sério.

Antes de terminar este post queria aproveitar para comentar o último post do Micróbio com o título O Papa encarnou o evangelho da vida. O Micróbio escreveu:

" (...)Outro Óscar deste ano foi para o filme espanhol “Mar Adentro”, que representa sob uma mentalidade favorável ao suicídio – com cooperação alheia – a vida de um inválido tetraplégico. Em todo o mundo vive-se um relativismo sofisticado – mais nuns países que noutros – nas questões morais, por isso a Igreja Católica com este Papa assumiu sempre o papel de oposição oficial.

João Paulo II defendeu incansavelmente o valor sagrado da vida humana desde a concepção até à morte natural. Tornou-se um legado do que chamou o “evangelho da vida”, em oposição à “cultura da morte”. A Parkinson devia ter posto fim à sua campanha, forçando-o a isolar-se na sua debilidade. Mas o Papa fez com que a doença reorientasse todo o seu pontificado, colocando-se ele próprio como exemplo vivo da mensagem que nos deixou.(...)"

Este post é um bom exemplo do que venho defendendo. Eu compreendo que esta seja o ponto de vista dum católico, seria estranho é se fosse outro. Mas há aqui uma utilização que diria abusiva de determinadas expressões como “cultura da morte”. Eu defendo o meu direito de optar por terminar o meu sofrimento quando já não há perspectivas de vida mas nunca vou escrever aqui palavras de elogio ou condenação por quem opta por continuar a viver ou terminar de viver. É uma escolha que eu defendo que seja pessoal e que não faço apologia de nenhuma das situações, apenas do direito de optar. De uma coisa não abdico de defender... respeito a opção de cada um mas não aceito não ter o poder de decidir sobre a minha própria vida quando já não há perspectivas de vida!

terça-feira, abril 05, 2005

(387) Os caminhos da Europa

A União Europeia (UE) encontra-se numa fase decisiva. O alargamento trouxe a necessidade de alterar as regras de funcionamento e a forma encontrada foi aprovar um Tratado Constitucional. O problema é que esse tratado não se resume a uma mudança das regras de funcionamento. É um tratado extenso e difícil de explicar. O tratado tem 448 artigos, dois anexos com 460 páginas, 36 protocolos e 50 declarações. É um pesadelo explicar este tratado às populações.

Eu defendo um referendo em Portugal para discutir este tratado mas confesso que dou pouca credibilidade a discussões sérias em sede de referendo. As questões são sempre politizadas e o sentido de voto nem sempre reflecte a posição sobre o que está a ser discutido.

O ponto de situação na Europa sobre a aprovação ou rejeição do tratado é o seguinte:

* Espanha, Lituânia, Hungria e Eslovénia: O tratado já foi aprovado (por referendo ou por via parlamentar)

* Portugal, França, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Holanda, República Checa, Polónia: Estados que vão realizar um referendo à Constituição

* Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Áustria, Itália, Malta, Grécia, Chipre, Eslováquia, Suécia, Filândia, Estónia, Letónia: Estados que vão ratificar a Constituição por via parlamentar

Dos países que vão realizar os referendos os que estão mais indecisos quanto à aprovação da Constituição são o Reino Unido, a Holanda e a França. Se nos dois primeiros é provável que a Constituição não sofra alterações no caso da desaprovação já no terceiro caso pode ser a morte da Constituição e da integração no caso do "Não" ganhar!

A França representa bem os perigos do referendo. Os principais motivos para a rejeição da Constituição são, espantem-se, a Turquia e a directiva Bolkestein! Escusado será dizer que nenhum destes pontos são objecto da Constituição e podem ser livremente discutidos com ou sem Constituição. Depois o resultado das sondagens sobre a Constituição tem andado de mãos dadas com a popularidade de... Chirac. Mais um motivo que não me parece válido. Mas uma coisa é válida, leia-se, se a integração europeia não tem sido suficientemente explicada é normal que a Constituição seja o bode expiatório do que não tem corrido bem na integração. Noutros países acontece o inverso, o "Sim" ganha por questões que não são objecto do referendo. Dá para pensar da real utilidade dos referendos...

(Continua...)

segunda-feira, abril 04, 2005

(386) Ainda sobre a morte do Papa

Tem sido interessante vasculhar a blogosfera e ler os textos que foram escritos sobre a morte do Papa. Parece consensual que a grande maioria da população católica está satisfeita com o Pontificado de João Paulo II e, no fundo, é o que interessa reter. Mas também é verdade que a maioria da população não católica tem muitas críticas a fazer (como eu fiz) não deixando de respeitar o homem por detrás do Papa (com raras excepções).

Na minha opinião não podia ser uma análise mais positiva do trabalho do Papa, leia-se, agradar os católicos e ganhar o respeito dos não católicos. E os católicos deviam estar satisfeitos com as críticas construtivas ao Pontificado porque é na diferença de opiniões que a igreja pode crescer. Como já tinha dito os unanimismos são perigosos e estagnam as instituições e se não se levantassem as vozes críticas ficaria no ar a ideia de hipocrisia.

A minha visão do que é a vida é diferente da dum católico mas tenho consciência que vivo numa sociedade maioritariamente católica. Deste modo, como agnóstico, só tenho um combate contra a instituição católica. É um combate sem armas mas um combate que eu acho que devo ter, leia-se, por um respeito cada vez maior entre as diferentes concepções de vida e pela liberdade individual. Pela concretização dum verdadeiro Estado Laico. É que se eu acredito que a fé é importante (mesmo não a tendo) não acho que a sociedade deva ser construída sobre a sua influência.

A influência da Igreja é exagerada nas leis civis e é aí que eu combato a Igreja e não nos seus dogmas e crenças que respeito acima de tudo. Por isso olho com desconfiança para a sobreposição das crenças religiosas ao dever de garantir a liberdade individual. Liberdade essa que deve ser a base da sociedade, do meu ponto de vista, e não outros conceitos perfeitamente válidos mas que não têm nenhuma base nem científica nem natural. O Estado quer-se laico mas continua em muitos aspectos a não ser e sabemos bem os perigos que daí resultam pela nossa experiência histórica.

Aproveito este post para deixar claro que vou continuar a lutar contra a influência da Igreja nas leis, costumes e moral. Mas também aproveito para sublinhar que tenho um enorme respeito por quem tem fé, seja qual fôr a religião que a suporte, e que não é isso que quero combater. O que eu exijo é o respeito das minhas crenças da mesma forma que respeito as dos outros. E a única forma de garantir esse respeito das liberdades e direitos individuais é lutando por um Estado verdadeiramente laico, livre de preconceitos morais e religiosos.

* Tópicos Relacionados:
Memórias do Filho do 25 de Abril: Religião (entre outros textos explica porque sou agnóstico)

domingo, abril 03, 2005

(385) Sala de Cinema: The House of the Flying Daggers, de Zhang Yimou



Ultimamente tenho visto muito cinema oriental. Provavelmente não por ter mais qualidade que outros filmes doutros locais do mundo mas talvez por ter vontade de fugir ao cinema padronizado que vem dos EUA (não todo mas a grande maioria dos filmes comerciais). A estética é diferente, as histórias são menos politicamente correctas e mesmo os valores estão distantes dos nossos.



Eu não vi o anterior filme deste realizador que o lançou no mercado mundial, Hero. Por isso não tenho ponto de comparação para discutir se este filme é pior ou melhor que o anterior ou se há ou não uma evolução na maneira de filmar de Zhang Yimou. Mas já conhecia a actriz principal (Ziyi Zhang) de filmes como Crouching Tiger, Hidden Dragon e 2046. Acho que tem as qualidades certas para ter uma carreira interessante.

O filme tem uma fotografia espantosa. Os efeitos são mais digitais do que os do filme de Ang Lee (Crouchin Tiger, Hidden Dragon) mas funcionam esteticamente bastante bem. Uma das vantagens desta nova vaga de cinema oriental é que consegue desenterrar os elementos clássicos que sempre foram apelativos para o ocidental e, ao mesmo tempo, consegue misturar esses aspectos com o melhor que a tecnologia digital consegue oferecer na actualidade. O resultado final é uma combinação de dança e pintura muito eficaz a nível visual. Tudo com muito bom gosto que é o que mais falta no cinema actualmente na área dos efeitos digitais.

A história é muito simples e evoca valores muito lineares. Mas nem sempre a história, apesar de simples, é congruente. Nesse aspecto não alcança aquele misticismo que Crouching Tiger alcançou porque as emoções são menos etéreas. Mas Ang Lee é um mestre difícil de igualar na forma como conduz os sentimentos. Há um pormenor engraçado no filme. A certa altura o realizador abdica de ser elegante para ser visceral de forma a dar destaque à história de amor. Toda a acção fica subordinada à história de amor e isso é feito de forma radical. O que até a esse momento parecia ser o mais importante (a luta contra a violência do Governo) passa para segundo plano e é o trio amoroso que passa a ser o centro de toda a história.

Não deslumbra mas é um filme que aconselho a ver!

(384) No Estádio do Dragão: Futebol Clube do Porto, 1 - Gil Vicente, 0

Actualmente ir ver jogos ao Estádio do Dragão é correr o risco de não ver futebol. E confirmou-se o meu receio, vi muito pouco futebol. Mas o mais importante, nesta fase do campeonato, não são as exibições. O importante era fazer três pontos, quebrar o ciclo de três derrotas e acabar com a maldição de não ganhar em casa. Por tudo isto este resultado é importante. Adicionalmente Postiga marcou o primeiro golo da época ao serviço do Porto apesar de ter falhado pelo menos mais dois golos feitos.

A equipa do Porto continua a ser muito inconsequente no ataque. Os jogadores não sabem desmarcar-se e não têm entrosamento! Do meio campo para a frente só Postiga e Ibson fizeram uma boa exibição (e Diego a espaços). É preciso também compreender que esta equipa tem uma média de idades muito baixa e no ataque muitos deles não têm mais que 20 anos. Na segunda parte a entrada de Leandro do Bonfim (substituíndo Quaresma) deu mais velocidade e criatividade ao ataque do Porto e finalmente vi um esboço de futebol.

Este é mesmo um ano de transição já que o Porto tem margem de progressão (se estabilizar o plantel) porque a equipa é jovem e com muitos jogadores em fase de adaptação. Mas não deixa de ser uma caricatura grosseira da equipa do ano passado.

(383) Grão de Areia no Universo: Karol Wojtyla



João Paulo II morreu depois duma prolongada luta contra a morte! Eu admiro todos aqueles que trabalham até ao limite das suas forças por algo que acreditam e esse foi o caso deste Papa. Eu, como agnóstico, fico agradecido pelo papel fulcral de Karol Wojtyla na aproximação das religiões e nas suas mensagens de tolerância no que toca a este tema. E não podemos esquecer que o Concílio Vaticano II foi muito importante na modernização da Igreja Católica.

Mas se não me cabe a mim julgar o homem posso e devo criticar o que não gostei do seu Pontificado. É que não concordo com os unanimismos depois das pessoas falecerem. Acho inaceitável que a Igreja Católica continue a condenar a contracepção, a homossexualidade e que continue a ser uma organização religiosa demasiadamente fechada e machista. Nestas questões a evolução foi muito pequena e bem menor que noutras religiões.

A minha grande dúvida é se este Papa queria ter ido mais longe e não conseguiu ou se ele próprio travou algumas mudanças. Nunca vou saber...

sábado, abril 02, 2005

(382) Em DVD: Firefly, de Joss Whedon



Aproveitei os saldos da Amazon para arriscar numa série para televisão que teve apenas 14 episódios antes de ser cancelada. Confesso que as expectativas não eram altas mas é sempre agradável ter uma boa surpresa...

Firefly é uma série que mistura Ficção Científica com Western. Mas aqui não vão encontrar extraterrestres verdes e com antenas mas apenas um grupo de 9 pessoas que vagueia pelo espaço à procura de bons negócios ilegais! Apesar de ser uma série futurística estão aqui muitos dos elementos clássicos que fazem um bom western.

A grande vantagem desta série é não colocar o foco na acção mas sim nas personagens. Os diálogos são muito irónicos e as personagens não estão estereotipadas. Devo até acrescentar que raramente encontro uma série na caixa mágica que parece ligeira mas que na realidade tem personagens bem estruturadas. Talvez isso explique porque foi prematuramente cancelada.

(381) O desmentido...

... é óbvio que o post anterior foi escrito no dia 1 de Abril.

Não, Raio! Ontem não fumei nada!

Sim, Didas! Mais facilmente vão encontrar um armazém de vibradores do que um cofre com um acordo com o Bin Laden!

Pedro, encontrar virtudes ao Santana Lopes é uma missão impossível. Desiste!

É tão fácil brincar com o mundo surreal que habitamos! Parece tudo mentira...

sexta-feira, abril 01, 2005

(380) Armas de Destruição em Massa encontradas no Iraque

Esta semana finalmente foram encontradas Armas de Destruição em Massa no Iraque. A quantidade encontrada permitia dizimar um pequeno país como o Luxemburgo numa questão de dias. Este "arsenal" foi encontrado num local que não parecia óbvio à primeira vista. Encontrava-se armazenado por debaixo dum dos palácios de Saddam, curiosamente perto dum cofre onde foram encontradas provas das negociações entre Saddam e Bin Laden para a disponibilização deste material ao segundo.

Esta descoberta vem redimir a imagem de Bush e Blair que, afinal, não andaram a enganar as suas populações nem as Nações Unidas. Durão também sai ilibado desta questão uma vez que tinha garantido ter visto provas que estas armas existiam e afinal viu mesmo.

Da minha parte resta-me lançar um pedido de desculpas público por ter atacado as razões "oficiais" desta guerra sem nenhum fundamento! Tenho que reflectir sobre a maneira injusta como este blogue contribuiu para alimentar a ideia que nos estavam a enganar.