Filho do 25 de Abril

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domingo, março 19, 2006

814. Sala de Cinema: Coisa Ruim


Coisa Ruim, um filme de Tiago Guedes e Frederico Serra

Realizador: Tiago Guedes e Frederico Serra
Elenco: Adriano Luz, Manuela Couto, Sara Carinhas, Afonso Pimentel, João Santos, José Pinto, João Pedro Vaz, Gonçalo Waddington, Miguel Borges, Maria d’Aires

“Coisa Ruim não pretende ser um filme para provocar sustos, mas para abrir os olhos ao medo.”

Entre o cinema comercial e o cinema de autor o melhor que podemos esperar do cinema português, nesta fase, são filmes como Coisa Ruim. Sem ter a qualidade dum Noite Escura nem a projecção comercial de um Crime do Padre Amaro, Coisa Ruim é um filme que faz lembrar o tipo de cinema que o nosso país vizinho tem-se especializado. A Espanha tem construído uma indústria de cinema em grande parte baseada neste misto entre cinema comercial e cinema com qualidade dentro deste mesmo género de cinema, ou seja, o de terror e o de suspense. A marca de autor nasce, em grande medida, do toque de Rodrigo Guedes de Carvalho (argumento) que “bebe” a sua inspiração – de forma muito desassombrada – de filmes como The Village e que dá, à narrativa, um toque intelectual proveniente dum estilo que provém da sua profissão de jornalista, sendo mais preciso, há uma investigação (que faz lembrar o jornalismo de investigação) científica e dos costumes atrás de cada diálogo.


Coisa Ruim, Afonso Pimentel

Coisa Ruim retrata uma família oriunda de Lisboa que resolve ir morar para uma pequena aldeia perdida em nenhures no interior de Portugal. É engraçado que sendo este filme uma visão do homem urbano do mundo rural que este último – o mundo rural - seja alvo de tanta desconfiança e diria até medo por parte de primeiro – do homem urbano – o que não deixa de ter lógica, ou seja, concretizando, se perguntar o que é que esta geração sabe do que se passa nos confins de Portugal a resposta é única, isto é, pouco ou nada e do que se desconhece tem-se medo. A crença, a superstição, a sugestão, a lenda, o folclore fazem parte desse Portugal que tem vindo a desaparecer mas quando o homem dito contemporâneo, citadino e céptico por natureza, entra nesse mundo é natural que o racionalismo que o acompanha seja posto à prova.

O filme tem um ritmo lento onde o suspense e a tensão estão em constante crescendo e, quase até ao fim, nunca sabemos se estamos a lidar com o sobrenatural ou com a pura sugestão. E é nesse ambiente de tensão que uma família que não sabe comunicar – o que é bastante representativo das famílias actuais – é posta à prova e os seus segredos inconfessáveis vêem à tona. Li, no sítio oficial do filme, que há sítios onde a culpa e a morte não são indiferentes e que a culpa atravessa gerações e rendo-me a essa evidência.

Há, neste filme, cenas de algum interesse, algumas boas surpresas ao nível de interpretação (há uma cena em que Afonso Pimentel contracena com Sara Carinhas que a sua mudança de registo está muito boa e destaco também a excelente interpretação de José Pinto como padre Vicente), uma boa gestão do suspense e da tensão, alguns diálogos profícuos que racionalizam a crença através da ciência mas também há, na minha opinião, uma má gestão da fase final do filme (um problema recorrente dos filmes que jogam em dois campos, o do real e o do fantástico) e algumas interpretações medianas. Adicionalmente o filme nunca deixa de ser uma perspectiva que vem de fora, ou seja, não conhecemos a aldeia vista pela aldeia mas a visão que a cidade tem da aldeia e, por isso, todas as personagens parecem ter vindo da cidade (veja-se as personagens do Padre Cruz e dos dois amigos da personagem interpretada por Adriano Luz, entre outros), mesmo quando são naturais da aldeia.

Síntese da Opinião: Um filme que balança entre o cinema comercial e o cinema de autor! É um dos caminhos possíveis para que o cinema português comece a ganhar uma envergadura mais consistente e regular.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

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