Filho do 25 de Abril

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sexta-feira, março 24, 2006

816. É o capitalismo, estúpido!



O artigo de Miguel Sousa Tavares (MST) no Expresso do último fim de semana - que só agora tenho oportunidade de comentar - merece ser lido e alvo de reflexão. O enquadramento é simples, concretizando, o que MST tenta transmitir é que o clima de euforia provocado pelas OPA e reflectido na Bolsa de Valores tem resultados muito incertos para a nossa economia. Partilho algumas das conclusões apesar de haver várias nuances e vou divagar sobre o tema. Entendam divagar duma forma literal porque vou afastar-me, de forma despreocupada e até caótica, do tema do artigo.

"Vejamos: se, depois de sucessivas fusões e aquisições, só restam praticamente três bancos privados portugueses, não é mau para a concorrência e para os consumidores que um deles engula outro? Com mais de meio milhão de desempregados, não é pior que as anunciadas OPA resultem também em já anunciados despedimentos? Quando se quer impor o aumento da idade de reforma, é saudável que se anunciem, como resultante das OPA, reformas antecipadas, chamadas tecnicamente de «aproveitamento de sinergias»?"
Miguel Sousa Tavares


Concordo que, teoricamente, o Estado deve deixar a actividade económica para os privados e que não deve limitar o funcionamento do mercado mas, também teoricamente, ainda ninguém conseguiu convencer-me que o mercado apresenta as melhores soluções para a sociedade como um todo. Veja-se a OPA do BCP ao BPI: será que o aumento da eficiência, as economias de escala e a sinergia compensam, para o consumidor, a diminuição da concorrência? Há aqui um dilema, ou seja, o Estado ao intervir no mercado impede este de funcionar de forma adequada - as más empresas continuam a operar, os preços não são óptimos - mas, se deixar o mercado agir de forma natural arrisca-se a que a concentração aumente até, teoricamente, um limite que prejudica os consumidores. Por tudo isto não sou "purista" na defesa duma ideologia... considero o contexto a chave para a resolução dos problemas, ou seja, não acredito em regras únicas para cada situação. Neste caso em concreto não vejo razões para euforias nem para lamentos... pede-se é que o Estado tenha bem definido qual a estratégia a prazo que quer para o sector da banca. Duvido que exista uma estratégia para o sector, aliás, duvido que qualquer sector em Portugal seja alvo duma regulação coerente e pensada.

Uma das justificações mais em voga para esta onda de concentrações - fenómeno que não é exclusivo de Portugal, é antes uma tendência mundial - é a de que as empresas precisam de massa crítica para concorrer num mundo globalizado. A teoria seria engraçada se a concorrência fosse de facto global, ou seja, que cada país tivesse dezenas de grandes bancos internacionais a concorrerem entre si mas, na realidade, esta massa crítica pouco tem feito para internacionalizar a banca, pelo menos a portuguesa. Aliás é difícil de compreender como a nossa banca - uma das melhores do mundo a nível de serviços como o ATM ou os cartões - não consegue internacionalizar-se e é tão vulnerável à entrada de competidores estrangeiros. Essa entrada - de bancos estrangeiros - até seria útil se não fosse feita à custa da aquisição de bancos portugueses o que, na prática, pouco ajuda a promover a concorrência.

Isto levanta mais um problema, ou seja, se a Espanha é tão proteccionista quanto aos seus bancos nós não devíamos fazer o mesmo em relação aos nossos? Isto de sermos liberais porque está na moda sem termos particular atenção ao contexto parece-me uma péssima ideia.

"E os lucros dos bancos, santo Deus?! (...) E como podem pagar em média 10% de IRC sobre os lucros - graças ao «off-shore» da Madeira, à «consolidação fiscal» e a uma série de bonificações e isenções - enquanto os seus clientes pagam até 42% de IRS e o porteiro do banco alguns 20%?"
Miguel Sousa Tavares


Mais um dilema, ou seja, neste mundo globalizado - relembro que sou a favor da Globalização, mas duma que seja regulada - se o país obriga as empresas a contribuirem num valor justo para a sociedade estas ou saem do país ou tornam-se pouco competitivas. O dumping fiscal e, pior, o medo que as empresas nacionais não ganhem dimensão competitiva (usou-se em tempo a expressão "campeões nacionais") está a destruir o papel redistributivo dos Estados. Hoje em dia assiste-se, nos sectores mais competitivos a nível global, a uma redistribuição, eu diria, em sentido oposto ao que é natural, ou seja, quem recebe pouco paga uma certa percentagem e os sectores mais abertos à concorrência global paga uma percentagem bem menor. Num mundo em que algumas empresas têm mais lucros que os PIB de alguns países urge repensar a forma de organização das sociedades.

A banca defende-se com o argumento de que, mesmo com uma taxa reduzida de imposto, paga mais, em média, que noutros sectores de actividade onde a fuga é gigantesca. O argumento do mal menor ou de que há situações ainda piores logo resolver esta ou aquela não é prioridade é algo que eu sempre abominei.

Em conclusão eu diria que não há motivo - concordo com MST - para euforia. Não há, também, motivo para pessimismo exagerado. O que é necessário, e com urgência, é repensar o modelo global - e por arrasto nacional - de desenvolvimento porque este está a ficar esgotado. É preciso, adicionalmente, repensar o papel do Estado sem esquecer que, com ou sem Estado, não está unicamente no mercado a solução para os nossos problemas.

7 Comments:

  • At 12:00 da manhã, Blogger Bruno Gouveia Gonçalves said…

    Interessante este post. Eu não gostei muito deste artigo de MST, por algumas razões...

    "será que o aumento da eficiência, as economias de escala e a sinergia compensam, para o consumidor, a diminuição da concorrência? Há aqui um dilema, ou seja, o Estado ao intervir no mercado impede este de funcionar de forma adequada"

    A livre concorrência deverá ser sempre uma base transversal a quase todas as áreas. O Estado não deve possuir poderes intervencionistas no mercado, como já defendi por várias vezes. Para isso foi criada a Autoridade da Concorrência, para salvaguardar o consumidor.

    "se a Espanha é tão proteccionista quanto aos seus bancos nós não devíamos fazer o mesmo em relação aos nossos? Isto de sermos liberais porque está na moda sem termos particular atenção ao contexto parece-me uma péssima ideia."

    Creio que este é um caminho perigoso. Isto de ser liberal é estar na moda, infelizmente não é bem assim. A prová-lo estão as recentes vagas de nacionalismos económicos pela Europa. Se a liberalização é a melhor solução para um aumento da competitividade e da concorrência com benefícios para o consumidor, então não deve haver hesitações. Não será certamente pelo facto de Espanha continuar com um regime proteccionista que nós devemos vacilar na solução.

    Finalmente quanto às OPA, concordo contigo no geral. De facto criou-se um clima de grande euforia, possivelmente demasiado. Porém, é necessário ter em conta que todo este movimento bolsista revela alguma maturidade na economia portuguesa, o que é um bom sinal.

    Abraço

     
  • At 10:04 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    O Capitalismo é estúpido ou está sustentado por estúpidos Mestrados, Professorados, Economistas, Analistas, Contabilistas, Financeiros e outros que cometem sempre o mesmo erro: Identificação dos problemas económicos, levantamento de medidas apropriadas e Medição de consequências! Enquanto não for assim, nada feito!

     
  • At 1:13 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    O liberalismo económico, com que concordo, tem que ter limites e regras impostas pela sociedade. Mas sem corrupção, e é esse o problema. Se o Estado não fosse corrupto, o liberalismo funcionava sem descambar para o neo-liberalismo ou ditadura capitalista.

     
  • At 1:39 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Bruno,

    "Se a liberalização é a melhor solução para um aumento da competitividade e da concorrência com benefícios para o consumidor, então não deve haver hesitações."

    Tenho dúvidas - e cada vez mais - que o consumidor tem benefícios num mercado muito liberalizado. Defendo a economia de mercado - como sempre fiz - com um forte papel não só regulador como corrector do Estado.

    O que estamos a assistir a nível global - dumping social e fiscal - é também o resultado da falta de um "Estado global".

    O Estado, e parece que estamos de acordo, deve promover mercados competitivos e, aqui é que estamos em desacordo, manter um papel forte na organização e correcção da economia de mercado.

    És capaz de ter razão quando dizes que uma economia cresce mais depressa quanto mais depressa for liberalizada. Mas acho que subvalorizas os custos sociais dessa opção que, inevitavelmente, vão afectar o próprio crescimento. Por isso insisto tanto no papel redistributivo do Estado, no seu reforço como motor da organização da sociedade e de este não ser subjugado pelos agentes económicos.

    Apesar de apoiar muitas das medidas liberais implementadas para melhorar a eficiência da nossa economia temo que outros aspectos da nossa vida em sociedade não estejam a ser salvaguardados. E é tudo isso que temos que repensar.

    Abraço,

     
  • At 1:46 da tarde, Blogger Ricardo said…

    Henrique,

    "Se o Estado não fosse corrupto, o liberalismo funcionava sem descambar para o neo-liberalismo ou ditadura capitalista"

    O que é o Estado? É um conjunto de pessoas que trabalham à custa dum orçamento financiado por impostos. O que separa o Estado do conjunto das empresas? Unicamente a fonte dos rendimentos.

    Por isso insisto tantas vezes que temos o país que merecemos... e se há corrupção esta não é pública ou privada, ou seja, não é o Estado que é corrupto, são as pessoas que o são. E devemos chamar os bois pelos nomes para que o empresário x, que não paga impostos, não diga que o Estado corrupto é que o faz viver num país de merda e que, por isso, não vai contribuir para dar de comer a alguns. É um ciclo vicioso.

    Quanto ao liberalismo eu apoio tudo o que traga mais eficiência à economia desde que haja o bom senso de não pensar que o que a iniciativa privada pretende é mais concorrência (é anti natural) e, por isso, não devemos esvaziar os papeis do Estado.

    Abraço,

     
  • At 3:34 da tarde, Blogger H. Sousa said…

    Tens razão, são as pessoas. É a mentalidade geral, é o estar na moda, é toda uma campanha que valoriza o ter em vez do ser. E tens também razão que não têm que se queixar, no fundo Salazar tinha razão: "Cada povo tem o governo que merece".

     
  • At 11:01 da tarde, Blogger Alien David Sousa said…

    Desculpa. Decidi não comentar textos que denham as palavras OPA e Belmiro.
    Fica bem

     

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