Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

quarta-feira, maio 31, 2006

857. Autoridade da Concorrência multa Ordem dos Médicos

A Autoridade da Concorrência (AC) anda particularmente activa apesar das multas "à nossa dimensão". O novo alvo é a Ordem dos Médicos, uma das maiores corporações (ou a maior) do nosso país.

Vou só deixar umas notas:

1. Praticar uma coima por uma prática que já foi revogada há quase um ano (pela própria Ordem) não deixa de ser caricato;

2. A reacção da Ordem dos Médicos mostra bem como esta "corporação" gosta de exibir o seu poder;

3. Defender - como a Ordem fez - que o preço mínimo garante um mínimo de qualidade e que um preço máximo surge para evitar que esta actividade ganhe contornos comerciais são, no mínimo, argumentos ridículos;

4. Aposto que, neste caso, a montanha vai parir um ratinho...

segunda-feira, maio 29, 2006

856. A despesa da nossa saúde


Bruno Gonçalves, do blogue Bodegas


O Bruno, do sempre interessante blogue Bodegas, escreveu um artigo de opinião no suplemento do Público – Dia D – com o título “A despesa da nossa saúde”. Não concordo com algumas das sugestões do Bruno – é natural, vemos a economia e a sociedade de forma diferente – mas compreendo a linha de raciocínio do que é defendida no artigo e a exposição das suas convicções é lúcida e simples.

“A transformação de vários hospitais públicos em Entidades Públicas Empresariais (EPE) mostra qual o rumo que tem que ser seguido.”

(...)

“Perante a simples hipótese da privatização de uma parte do SNS, argumenta-se a perda da ‘humanidade’ reflectida na prestação gratuita de cuidados de saúde.”

(...)

“O futuro do financiamento do sistema de saúde português terá que passar obrigatoriamente por uma contribuição directa entre o utente e a instituição que presta os serviços. Essa passagem, como é evidente, deverá ser acompanhada de uma progressiva diminuição da carga fiscal.”


O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa – e neste ponto estou de acordo com o Bruno – de gestão privada mas tenho enormes reservas ao que é defendido depois, ou seja, a privatização de parte do SNS. É importante separar bem as águas entre gestão privada e privatização. Concordo que esta distinção é mais ideológica que técnica mas mesmo neste último campo tenho dúvidas quanto à possibilidade das vantagens serem maiores que as desvantagens. Eu não concordo que a saúde seja gratuita - nem a prestação da saúde é – nem que tenda a ser porque os impostos são uma forma de pagamento da saúde – não directo – e porque, para mim, o importante é que a saúde seja universal. Este conceito de universalidade obriga a uma redistribuição através dos impostos, ou seja, os que auferem mais pagam mais em proporção (é mais correcto dizer os que declaram mais) e, mesmo na mesma classe de rendimentos, beneficiam mais deste sistema quem tiver o “azar” de ter mais complicações de saúde ao longo da vida. Encaro a universalidade como um imperativo social e defendo com convicção o direito à prestacão de cuidados de saúde até estarem esgotadas as opções economicamente viáveis – daqui a importância da gestão privada com critérios diferentes da gestão duma empresa – e temo que um sistema privatizado baseado em opções privadas de protecção de saúde – que têm mesmo assim critérios diferentes dum sistema público – não garanta com tanto rigor este conceito de universalidade. Mesmo assim considero que a grande vantagem dum sistema privado mais alargado seria o acesso a melhores tecnologias – apesar de só para alguns – e a uma maior resistência a lobbies.

“Tendo em conta a quantidade de pessoas que abdica dos serviços de saúde públicos para se dirigir aos privados, sacrificando as suas contribuições pela qualidade do atendimento, compreende-se que as instituições estatais só têm a aprender e a ganhar.”

(...)

“(...) é fundamental possibilitar uma maior liberdade de escolha por parte do utente dos serviços. Por exemplo, um doente deverá ter a oportunidade de escolher a unidade de saúde onde quer ser tratado.”


Esta questão está, obrigatoriamente, ligada à “discussão” anterior. Obviamente que defendo a existência de serviços privados de saúde e obviamente que deve ser promovida a liberdade de escolha por parte do utente. Mas o segmento alvo destes serviços não é a população em geral, e isto parece-me inquestionável. O segmento alvo começa na classe média e acaba nos que possuem mais recursos económicos e mesmo a classe média, protegida por seguros privados, tem limites de cobertura dos gastos de saúde. Por isso, e sublinhando de novo o conceito de universalidade, os serviços privados só podem ser universais com o apoio dos impostos (com redistribuição). Posto isto defendo que a contribuição para o SNS continue a ser obrigatório e com componente redistributiva independentemente do utente decidir ou não utilizar os serviços públicos e só para além desta obrigatoriedade é que defendo a livre utilização dos rendimentos. É a única forma, na minha óptica da sociedade, de garantir não só a universalidade mas também que mesmo os que tenham mais recursos nunca fiquem em dificuldade por necessitarem ou de tratamentos menos propensos a dar lucro ou porque são mais propensos a doenças. Isto não entra em contradição com a minha concordãncia na possibilidade de escolha da unidade de saúde a ser tratado quer por uma maior flexibilização do Estado em financiar tratamentos em unidades privadas quer em permitir maior liberdade de mobilidade dos utentes entre unidades públicas por opção deste.

Mas, acima de tudo, parabéns ao Bruno por um texto moderado e coerente com as suas convicções...

domingo, maio 28, 2006

855. Linha Violeta do Metro


Linha Violeta do Metro do Porto

Ontem foi inaugurada a Linha Violeta do Metro do Porto que liga a cidade ao Aeroporto Sá Carneiro (acho sempre irónico o nome deste aeroporto), a última linha da primeira fase do Metro que já revolucionou por completo a mobilidade na cidade e em algumas cidades contíguas. É o primeiro aeroporto em Portugal que fica ligado à rede de Metro e o tempo que separa o centro da cidade do aeroporto é meia hora.

Bem sei que este processo de construção do Metro foi muito atribulado e que foi feito com pouco rigor mas acho lamentável que a segunda fase seja adiada. É compreensível mas é lamentável. Enquanto não há soluções para o congestionamento das cidades e para o problema da dependência energética na área dos transportes (que agrava a Balança Comercial diariamente) acho este tipo de investimentos prioritário. Por isso sempre defendi que este tipo de projectos não tem necessariamente que ter retorno visível (apesar de obviamente os custos operacionais deverem ser compensados na medida do possível pelas receitas de exploração) porque a poupança na factura energética e os benefícios na vitalidade da economia urbana compensam os custos de investimento (desde que não sejam inflacionados).

Também não sou contra "obrigar" que, em áreas onde o valor imobiliário ou comercial aumente exponencialmente com uma nova estação, haja uma contribuição, por parte dos principais beneficiários, para os custos de investimento.

854. Global Financial Imbalances


US Current Account Deficit Financing

In this speech, Rachel Lomax, Deputy Governor responsible for monetary policy, discusses the implications of the global financial imbalances for the current international monetary system. Given their already substantial reserve holdings, Asian central banks are unlikely to continue financing an increasing US current account deficit indefinitely. While the risk of disruptive adjustment may still be low, the sheer scale of current imbalances increases the potential costs of policy mistakes and misperceptions. To minimise this risk, there is a need for clear policy communication and policies that are robust to the possibility of market expectations being inconsistent with economic fundamentals. The increased international interdependency in today’s world also underlies the need to greatly improve the standard of dialogue on international economic issues.

Rachel Lomax - Bank of England - Monetary Policy Committee

Pequeno comentário: Para contextualizar a "saúde" da economia americana...

Ver artigo completo aqui

853. O peso do tempo: Ponte Luís I


Ponte Luís I (clique na imagem para ampliar)

Ponte Luís I
Por proposta de Lei de 11/02/1879 o governo determina a abertura de concurso para a “construção de uma ponte metálica sobre o rio Douro, no local que se julgar mais conveniente em frente da cidade do Porto, para a substituição da actual ponte pênsil”. Foi vencedora a proposta da empresa belga Société de Willebroeck, com projecto do Engenheiro Teófilo Seyrig.
Teófilo Seyrig que, já fora o autor da concepção e chefe da equipa de projecto da Ponte Maria Pia, enquanto sócio de Eiffel, assina como único responsável a nova e grandiosa Ponte Luís I. A construção iniciou-se em 1881 e foi inaugurada em 31 de Outubro de 1886. O arco mede 172 m de corda e tem 44,6 m de flecha.

sábado, maio 27, 2006

852. Receitas Extraordinárias

Sou contra a utilização de receitas extraordinárias para manipular o valor do défice orçamental. Por duas razões simples, nomeadamente, por muitas vezes ser um negócio lesivo para o Estado obter receitas à pressão e porque o que interessa é o défice orçamental sem receitas extraordinárias uma vez que vai ser esse o valor base para o ano seguinte. Mas não sou contra receitas extraordinárias per si desde que vantajosas para o Estado e que cumpram mais uma condição que vou abordar de seguida.

"O primeiro-ministro, José Sócrates, defendeu hoje no Parlamento que a venda de património do Estado que o Governo vai efectuar não constitui uma receita extraordinária, por se tratar de imóveis inúteis e que apenas causam despesa."

Público


Desta vez, e tenho que engolir isto com um generoso copo de água, Miguel Frasquilho tem toda a autoridade - por muito que o Primeiro Ministro ache que não, até porque a resposta deve ser dada aos portugueses e não ao deputado em questão - em levantar esta questão. O Governo fez uma promessa clara e, acrescento, uma promessa que faz todo o sentido, ou seja, que as receitas extraordinárias não sejam usadas para obter um resultado percentual do défice orçamental. José Sócrates garante que os imóveis em questão devem ser vendidos por serem uma "boa medida de gestão" e, acreditando nas suas palavras, então deve mesmo vender só que, e isto é muito importante, isto deve alterar o objectivo do défice no fim do ano na exacta proporção das receitas (ou despesas) extraordinárias. Não tenho nada contra receitas extraordinárias quando estas ocorrem para benefício do Estado e aí Sócrates tem legitimidade para as fazer mas, face às promessas eleitorais e ao bom senso, não as deve efectuar sem tornar mais ambicioso o objectivo de consolidação orçamental sob a pena de dar mais folga às despesas correntes do Estado.

Sugeria ao Primeiro Ministro mais coerência nas suas promessas por uma simples questão de credibilidade e esclarecimentos, na Assembleia ou fora dela, menos evasivos e agressivos porque nem sempre o ataque - parece que ninguém tem legitimidade, por erros passados, em levantar questões - é a melhor defesa.

sexta-feira, maio 26, 2006

851. Mudanças nas Farmácias




As medidas anunciadas hoje pelo Primeiro Ministro vão no sentido de liberalizar o funcionamento das farmácias. É surpreendente que o antigo modelo de gestão tenha durado tanto tempo. A Ordem dos Farmacêuticos avisa que há o perigo de "concentrações económicas nefastas" e quando as corporações ficam alarmadas é sinal que o alarme é da categoria dos alertas laranjas que o Presidente Bush adora. Já o PSD classificou as medidas como "francamente positivas" o que indica que o congresso do PSD foi, como já defendi,bem mais clarificador do que se julgava à primeira vista. Há uma semana duvido que o discurso de Marques Mendes fosse este.

Quanto às medidas anunciadas não encontro, à primeira vista, motivo para crítica da minha parte. O balanço final destes anúncios será a análise do preço ao público dos medicamentos e a "factura" do Estado no fim do ano e só aí é que vamos poder analisar a eficácia destas e doutras medidas anunciadas mas que, assim como noutros anúncios com já algum tempo, ainda não estão implementadas.

quinta-feira, maio 25, 2006

850. Enron


Enron

A justiça americana está de parabéns! Em apenas 16 semanas julgou e condenou Kenneth Lay e Jeffrey Skilling - administradores executivos da Enron - por, entre outras acusações, fraude e conspiração em ocultar o eminente colapso financeiro da empresa.

Mas há algo que me faz confusão no conceito de "justiça", concretizando, terá este conceito fronteiras? Eu explico. A justiça americana é rápida e eficaz quando está em causa um acto de corrupção que afecta directamente - e negativamente - a economia e os trabalhadores do país (relembro que milhares de pessoas perderam o emprego, a poupança e a reforma e, em alguns casos, as três ao mesmo tempo) mas será que intervém quando existe a mesma corrupção perpetrada da mesma forma mas que afecta interesses económicos de países terceiros? Neste caso poderíamos dizer que não cabe à justiça americana defender interesses de terceiros mas, na realidade, há um clima de impunidade, ou melhor, um vazio na regulação (falta um Estado dos Estados?) das relações entre países desenvolvidos com países em desenvolvimento.

A Enron continua a ser um bom exemplo. Antes de falir as suspeitas de corrupção na actuação desta empresa no estrangeiro já eram evidentes. O caso mais flagrante é a Índia onde a corrupção dos dois lados - governantes da Índia e administradores da Enron - prejudicou, e muito, a população da Índia a troco de quase nada. Que eu saiba nada disso foi julgado e as consequências serão, a existirem, insignificantes. Pode-se culpar a "justiça" da Índia por ser ineficaz mas sejamos realistas, que probabilidade de sucesso teria a Índia a posteriori (supondo que a população até expulsava do poder os corruptos) em exigir a uma empresa sediada nos EUA uma indemnização com o fundamento de prestação de um mau serviço num contexto em que houve corrupção, em que a empresa em questão faliu e onde foram os próprios diplomatas americanos a mediar o negócio nestes moldes?

Em jeito de conclusão urge sublinhar uma ideia, ou seja, concretizando, que não há mecanismos internacionais eficazes de controlo da corrupção e que a promiscuidade entre grandes empresas e governos de países em desenvolvimento só prejudica as populações desses países. Não há meios eficientes para prevenir ou rectificar estas situações até porque a diplomacia económica é aceite por todos os países e os limites de negociação são pouco claros (espionagem industrial, luvas, vendas por arrasto, entre outras situações). Fica difícil falar em justiça quando os actos punidos são só aqueles que prejudicam directamente os cidadãos nacionais mas, quem sabe, quem tem razão são aqueles países que utilizam a justiça e a diplomacia duma forma não ingénua.

849. Sala de Cinema: Inside Man


Spike Lee a filmar Nova Iorque

Realizador: Spike Lee
Elenco: Denzel Washington, Clive Owen, Jodie Foster, Christopher Plummer, Willem Dafoe

Nova Iorque é uma cidade magnífica e complexa e, concerteza, difícil de filmar. E se Woody Allen é – ou era – especialista em filmar esta cidade como o local próprio para um neurótico narcisista extravasar as suas loucuras, Spike Lee é, por sua vez, um realizador que sabe introduzir de forma natural, em qualquer história que tenha lugar nesta cidade, a interacção entre cidadãos com múltiplas raças e nacionalidades. E é por causa desta naturalidade que o contexto dos filmes de Spike Lee é especial e isso ajuda, e muito, a que a história saia valorizada. A história, se reflectirmos bem, está longe de ser boa e, mesmo assim, não saí da sala de cinema insatisfeito com o filme. Chego naturalmente à ilação de que o filme vive mais do estilo de realização – intenso, natural, informal, ritmado – do que propriamente da história (os diálogos e as interpretações também estão a um bom nível).


Denzel Washington e Clive Owen em Inside Man, de Spike Lee

Nesta história sobre o “assalto perfeito” não é convincente a dimensão conspirativa que o filme ganha com a introdução da personagem de Jodie Foster. Parece que foi necessário subir a fasquia do assalto para patamares, digo eu, ridículos para que esta personagem ganhasse dimensão. Assim mistura-se o nazismo, uma conspiração na Câmara de Nova Iorque e um banqueiro comprometido para justificar o papel de Jodie Foster e, ao mesmo tempo, oferecer à personagem de Clive Owen uma aura quixotesca com uma pitada, só uma pitada para não perdermos de vista a ténue linha entre o mal e o bem, de altruísmo. Esta “conspiração” estragou em parte o filme e era uma armadilha letal para qualquer outro realizador mas Spike Lee conseguiu “aguentar” bem o filme e só claudicou no final ao arrastar o enredo para além da área em que está contido o interesse pela história.

O filme é um jogo do gato e do rato à distância e em espaços bem delimitados (faz lembrar uma simbiose entre dois filmes com Al Pacino, Dog Day Afternoon e Heat). O gato – será Denzel Washington ou Clive Owen? – e o rato – a dúvida volta a ser colocada – têm aqui um interessante confronto intelectual e, novamente, a ideia base é a de que estas duas pessoas, noutras circunstâncias, seriam bons amigos (novamente Heat, Collateral). Denzel Washington e Clive Owen estão num bom nível e ajudam, e muito, a tornar o filme mais interessante e intenso.

Síntese da Opinião: Para quem gosta de assistir a um bom confronto intelectual entre antagonistas que caminham numa linha ténue entre o “bem” e o “mal”. Como sempre, neste tipo de filmes, estes confrontos acontecem num contexto de “realismo exagerado” mas a “mão” de Spike Lee transforma a película num bom momento de lazer.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

Technorati Tags: , , , , ,

terça-feira, maio 23, 2006

848. Prós e Contras: Sob o Signo da Verdade, de Manuel Maria Carrilho


Um debate "cinzento" nas ideias

A "arena" da RTP teve ontem um dos seus maiores combates de boxe de todos os tempos. O problema é que, como em qualquer combate de boxe, dá-se muita "porrada" e, no fim, não fica nada de pedagógico para memória futura. Alguns, porventura, vão recordar a "mordidela" na orelha ou o murro nas partes baixas com que se presentearam os principais adversários - Manuel Maria Carrilho (MMC) e Ricardo Costa (RC) - mas, no fundo, ninguém, nem nós, ficou a ganhar porque o ruído da batalha abafou qualquer tipo de reflexão ou conteúdo que o debate possa, a espaços, ter tido.

A "verdade" - utilizando parte do título do livro de MMC - de Carrilho parece-me frágil e José Pacheco Pereira (JPP), de forma pedagógica e com o seu estilo paternal, explicou ao ex-candidato à Câmara de Lisboa que ele não é um caso "especial" e que não está, como é óbvio, isento de responsabilidades tanto pela derrota como pelo tratamento que a Comunicação Social lhe dá. Não está em causa o trabalho de MMC - devo sublinhar que o considero o melhor Ministro da Cultura que Portugal teve no pós 25 de Abril (incluíndo os Secretários de Estado) - mas simplesmente a falta de empatia (JPP foi certeiro ao lançar esta farpa) que MMC teve com os lisboetas e tem com o país é a única explicação plausível para a sua derrota.

O debate foi desinteressante e inconsequente e revela bem o estado da Comunicação Social, ou seja, em vez de tentar provocar a reflexão ou mediar a mensagem prefere embarcar num debate com um modelo preparado para a agressão e para a resolução, em público, de problemas pessoais. Indirectamente este debate foi o melhor exemplo do comportamento da Comunicação Social no debate e informação política pois houve muito espectáculo e nenhum conteúdo. E não faltam assuntos urgentes para debater dentro desta temática como a influência da CS na percepção do trabalho político, a mediatização da notícia e da própria política e a linha que deve separar a vida privada da vida pública dum político. Mas, como era de esperar, ficamos mais uma vez no acessório e o essencial fica para discutir no dia em que der audiências...

Uma palavra final para Ricardo Costa. Destaco RC (e não MMC, que esteve ao mesmo nível) porque tenho um especial respeito pelas suas capacidades como jornalista e lembro-me até que uma das melhores entrevistas políticas que assisti nos últimos tempos foi conduzida por ele (a Durão Barroso) mas o que se passou ontem afectou, e muito, a credibilidade e o respeito que sentia pelo seu trabalho e pessoa. E o que se passou ontem - inconfidências, revelação de pormenores de bastidores, recados, ataques pessoais demolidores, mesquinhez nos argumentos - foi grave e foi, acima de tudo, uma desilusão. É pena...

segunda-feira, maio 22, 2006

847. Congresso do PSD


Marques Mendes

Este congresso do PSD, ao contrário do que parece, foi dos mais interessantes congressos dos últimos anos. Não, não foi Alberto João Jardim que falou nos "comunas", espera, até falou, mas o mais interessante nem foi isso. O que se passa no panorama político português é bem mais fracturante do que parece à primeira vista.

O PS de Sócrates, independentemente da qualidade (ou falta dela) das suas medidas, colocou-se num espectro ideológico bastante incómodo para o PSD e, em certa medida, até para o PP. É muito difícil a direita criticar medidas que visam emagrecer ou tornar mais eficiente o Estado com a agravante da linha de governação, com algumas nuances (e algumas são importantes), ser muito parecida àquela que o PSD/PP implementou na "estadia" no Governo. Este esvaziamento da possibilidade da crítica ideológica à direita criou um problema sério a estes partidos que optam, agora, por criticar o processo e não o objectivo.

Esta deriva ideológica começava a ser relativamente grave no PSD de Marques Mendes. De repente este político de convicções - pausa para ensaiar um sorriso irónico - estava a defender medidas mais à esquerda do que alguma vez o próprio PS defendeu, mesmo na oposição. Começava a ser hilariante ouvir Marques Mendes debitar discursos sobre o proletariado e pouco faltava para começar a tratar os seus pares de camaradas. Por isso considero que este congresso foi importante uma vez que Manuela Ferreira Leite veio pôr ordem à casa e lembrar que o PSD não pode criticar medidas que são condizentes com a sua matriz ideológica como o caso do fecho das maternidades à semelhança do que já tinha feito na altura da aprovação do Orçamento. Posso ter muitas críticas à Manuela "corta tudo em percentagem" Leite mas não há dúvidas que foi essencial, para o partido e para o equilíbrio ideológico do país, o aviso que fez à navegação da liderança de Marques Mendes. Assim o secretário geral do PSD voltou a posicionar-se em terrenos mais familiares propondo um conjunto de medidas coerentes com o partido onde está. Não hajam dúvidas, temos um homem cheio de convicções... (mais uma pausa para ensaiar mais um sorriso irónico)

E chamei à atenção que podemos estar na presença de uma "fractura" no posicionamento ideológico dos partidos porque parecem estar abertas as portas para que o PSD assuma uma identidade mais liberal. O peso que Ferreira Leite e António Borges ganham paulatinamente no partido e o condicionamento que Marques Mendes parece ter perante a voz destes faz prever que, quando este Governo começar a diluir-se, avancem para a liderança do PSD um conjunto de nomes que poderão colocar o PSD longe da sua tradição ideológica. Como defende o Bruno - do blogue Bodegas - "aproveitem a oportunidade e assumam-se de uma vez por todas como um verdadeiro partido de direita liberal"! Esta opinião junta-se a muitas outras que estão a criar uma maior pressão para que no PSD haja uma mudança ideológica mais profunda.

Acho que o país só tem a ganhar com verdadeiras alternativas e com um tipo de alternância que seja de facto fracturante e que não tenha nada a ver com a actual alternância comprometida entre PS/PSD que é sempre mais do mesmo embrulhado em papel de oferta diferente. Só não sei se a população portuguesa - e o "centrão" - quer votar massivamente num partido liberal. Eu, pelo menos, não estou disposto a isso mas também nunca fui um eleitor flutuante entre o centro esquerda e o centro direita. Se houver viabilidade para que esse projecto "liberal" alcance o estatuto de alternativa de poder - sinceramente duvido pelo menos em moldes liberais muito definidos - dou as boas vindas à alternância e digo presente para combater uma visão hiper minimalista do Estado.

sábado, maio 20, 2006

846. Sala de Cinema: The Da Vinci Code


Paul Bettany e Audrey Tautou em The Da Vinci Code

Realizador: Ron Howard
Elenco: Tom Hanks, Audrey Tautou, Ian McKellen, Jean Reno, Paul Bettany, Alfred Molina

Não vai ser propriamente uma novidade chegar aqui e começar a defender que o filme é fraco e que não vai causar realmente polémica mas, após o visionamento do filme, sou incapaz de contrariar essa corrente que críticos e espectadores estão a criar porque o filme é mesmo, vou ser simpático, desinteressante. É muito difícil adaptar ideias, histórias e conceitos duma arte para outra e raramente a melhor abordagem numa adaptação é a reprodução do que já existe noutra arte (há excepções como Sin City). O que começa por falhar neste filme é que, apesar do livro de Dan Brown ser bastante cinematográfico, a estrutura da história precisava de ser reinventada e não reproduzida, ou seja, não podemos reproduzir o clímax de cada capítulo numa longa metragem. O livro, ao ser tratado como uma bíblia, como algo que não se deve retocar e alterar (no fundo compreendo que o filme só exista porque o livro foi um sucesso), transformou o filme numa caça ao tesouro com personagens da espessura do papel. Muito pouco mesmo tendo em consideração que já não fui grande apreciador do livro.


A Última Ceia, Leonardo Da Vinci

Tom Hanks é daqueles actores que, na minha opinião, está claramente sobrevalorizado. É verdade que faz lembrar uma forma clássica de representar, muito segura e com um estilo que apesar de já ter caído em desuso continua a ser apelativo, e também é verdade que tem alguma flexibilidade na representação (Forrest Gump continua a ser um marco na sua carreira) mas eu continuo a ser incapaz, pelas suas representações e filmografia, de colocá-lo entre os melhores da sua profissão. Mas mesmo que eu esteja a ser injusto com a apreciação ao actor e à sua carreira concerteza que os que apreciam o seu trabalho concordam que, neste filme, Tom Hanks está longe do seu melhor. Não fiquei com a sensação que no livro a personagem de Robert Langdon fosse tão inexpressiva e que tivesse tão pouca chama ao discutir os seus temas de eleição. Essa interpretação em piloto automático foi visível nas conversas com Ian McKellen (Sir Leigh Teabing) em que os actores pareciam debitar diálogos decorados sem aparentarem a mínima paixão pelo que defendiam. Pareciam... actores! Tenho que acrescentar, sem querer deixar a impressão que persigo Tom Hanks, que também não houve nem um momento de química com a actriz Audrey Tautou.

Após esta dissertação que devo acrescentar à análise do filme? Que Ron Howard (A Beautiful Mind, Apollo 13, Backdraft, Cocoon) é a escolha segura para todos aqueles que pretendem jogar pelo seguro uma vez que é um realizador que não reinventa, que segue as melhores tradições da academia e que geralmente é moralmente neutro. O resultado é um provável êxito de bilheteira, sem sal nem chama, sem subtilezas de qualquer grau ou espécie, esvaziado de qualquer polémica com a excepção das que o livro já levantava. E é pena porque há ideias no livro que merecem ser discutidas – apesar de não apreciar o modo como Dan Brown manipula e descreve as suas histórias – e tidas em conta, mesmo que sem polémica, porque, como já escrevi na minha análise ao livro, a "a fé tem como alicerce acreditar no improvável" e não vai ser a procura de dados históricos que vai abalar essa "fé". Já é tempo – até porque vivemos uma era em que o acesso à informação é cada vez maior – de discutir a história, mesmo a religiosa, de forma adulta, sem tabús, mas parece que a maioria de nós prefere fazer polémica com o superficial e é notório o desinteresse em explorar as nossas raízes. E este filme só ajuda a banalizar essa discussão...

Síntese da Opinião: Um filme para ver num Sábado à tarde num daqueles dias em que não faz mal adormecer no sofá (principalmente nos inúmeros flashbacks). Sobra de interessante no filme uma meia dúzia de pequenas curiosidades históricas.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

Technorati Tags: , , , , ,

quarta-feira, maio 17, 2006

845. Energia das Ondas


www.soulpix.com

Enquanto não há reais mudanças na nossa dependência energética há pequenas boas notícias no sector energético. Este Verão, na Póvoa do Varzim, vai ser instalado o primeiro "parque de ondas capaz de gerar electricidade" do mundo.

Não estou habilitado para fazer comentários técnicos ao projecto - apenas sei que a tecnologia permite converter a energia das ondas - mas só posso achar positivo o lançamento dum projecto que é inovador, que permite o acesso a mais energia renovável e que pode gerar um importante "know how" com prováveis benefícios futuros. Adicionalmente acho importante que Portugal aproveite os seus recursos naturais nomeadamente a extensão da sua costa marítima.

A título de curiosidade o parque vai ser constituído, numa primeira fase, por três máquinas que vão ser instaladas a cinco quilómetros da costa. A ligação à rede deve estar concluída em Agosto.

É evidente que enquanto a energia fóssil dominar a área dos transportes e da mobilidade não vai haver uma verdadeira inversão da nossa dependência mas, mesmo assim, é de louvar uma iniciativa que reforça o nosso envolvimento com as energias renováveis e que pode diminuir as nossas emissões de carbono.

segunda-feira, maio 15, 2006

844. O Mito da Meritocracia

O Bruno Gonçalves - do blogue Bodegas - aconselhou a leitura dum texto de António Costa Amaral (AA) - do blogue A Arte da Fuga - publicado hoje no "Dia D" - suplemento do jornal Público - com o título "O mito da meritocracia"!

Eu também aconselho a leitura até porque partilho de muitas das ideias e dos diagnósticos que AA desenvolve em relação à Administração Pública (AP) com a excepção, natural, do corolário. A solução, e não é uma surpresa, defendida pelo AA é a "(...) abertura aos privados dos serviços estatais" e, considerando isso insuficiente, defende que a "sobrevivência das hierarquias estatais deve passar a depender exclusivamente de taxas e preços cobrados aos utentes, em verdadeira concorrência com os privados".

Vamos por partes:


1. Diagnóstico

Concordo que o actual sistema de avaliações não funciona até porque a "meritocracia" nunca chegou a ser implementada na Função Pública. As progressões automáticas só foram idealizadas como um complemento às auditorias externas aos serviços e, como já explicou Miguel Cadilhe, o actual Presidente da República desistiu da parte mais importante da reforma da AP e só deixou as progressões automáticas. As tais regras rígidas de avaliação - que o AA explora no texto - não são mais do que um - mais recente - sistema injusto para compensar um sistema injusto que já existia, ou seja, como todos os funcionários tinham excelentes classificações agora há quotas de boas classificações, como se os bons trabalhadores estivessem distribuídos de forma homogénea entre serviços.

Mas antes que se dê o exemplo do mercado privado advirto que a maior parte das empresas também tem distribuídos, de forma homogénea, os seus bons trabalhadores. E, tal como na função pública, o tal mérito depende da relação pessoal com os seus superiores hierárquicos e com a proximidade (ligado ao grau de necessidade duma boa classificação) duma promoção. Em resumo diria que a "meritocracia" nunca foi introduzida no sector público em Portugal e que, mesmo no sector privado, funciona de forma deficiente.


2. Soluções propostas no artigo

a) É preciso definir, a priori, quais são os serviços que o Estado deve ou não prestar em exclusividade e aí já vou ter, concerteza, uma opinião diferente do AA. Após esta análise - que concerteza não é consensual - se há serviços que não necessitam de exclusividade defendo que devem ser entregues aos privados e não concordo com a ideia de "verdadeira concorrência com os privados" (as excepções são a educação e a saúde em que entra um critério que não cabe na iniciativa privada - o direito a que seja universal - e aí admito concorrência, ou melhor, complementaridade). Aqui reside a principal diferença de opinião porque eu considero que o Estado está muito próximo do seu tamanho ideal - quando alienar a totalidade do sector empresarial - e que todo o resto deve ser reformado com o critério da satisfação do cidadão (que neste caso é simultaneamente o cliente) e que essa reforma também depende, e muito, do grau de exigência do cidadão/cliente;

b) Não percebo porque é que a função pública necessita de se abrir aos privados para poder ter como foco o "cliente" ou as "necessidades das pessoas". Se um serviço é da competência do Estado o cliente - que aqui surge no duplo papel cliente/cidadão - deve ter mecanismos para avaliar a qualidade do serviço, ou seja, como cliente pode dar indicações vinculativas do seu grau de satisfação e isso deve ter consequências na avaliação do funcionário e do serviço e, como cidadão, deve utilizar não só o seu direito de voto mas também os seus outros poderes de cidadania para avaliar o serviço público. Concordo que a cidadania não está tão explorada como os direitos do consumidor mas não vejo razões para que não passe a estar. Costumo dizer que só porque um determinado Estado (aqui mais direccionado para a sua vertente de serviços) funciona mal isso não é razão suficiente para defender que seja entregue (parcialmente) à iniciativa privada mas sim que deve ser exigido a este que seja mais eficiente. O contrário também é válido, ou seja, se uma empresa ou sector funcionam mal isso não deve ser suficiente para que se defenda a nacionalização;

c) Defendi, nas alíneas anteriores, que tenho uma noção de Estado que não é minimalista e que não defendo a concorrência nos seus serviços exclusivos - nos outros defendo a privatização - mas não quero terminar sem sublinhar uma ideia que tenho defendido no blogue, ou seja, que também não sou defensor de parcerias público/privado nestes serviços. Considero que, por exemplo, o outsourcing não tem trazido qualquer tipo de vantagens à AP. Ver textos aqui e aqui sobre este tema.


Em resumo diria que a AP não funciona mal porque é um "monopólio" porque, num sentido literal, a componente "cidadão" - associada à noção de "cliente" - pode e deve funcionar como um pêndulo para a modificação da AP conforme as "necessidades das pessoas". Adicionalmente considero que há serviços que não são concorrenciais pela sua natureza - daí serem públicos (porque causam externalidades, porque incorporam decisões que influenciam o todo, porque são não rivais, porque não podemos excluir ninguém do seu consumo independentemente dos preços, porque a quantidade óptima não é reflectida de forma satisfatória nos preços, entre outros) - e que a resolução dos problemas da AP não passa pela sua abertura aos privados.

Mas eu e o AA estamos de acordo num ponto, ou seja, a AP, tal como está, não agrada nem a gregos nem a troianos. A solução, claro que na minha opinião, é que é bem diferente da que é defendida pelo AA. Não explorei convenientemente, neste texto, o que defendo para a AP - esse assunto já foi alvo de reflexão em inúmenos textos deste blogue - mas deixei claro, mais uma vez, que não sou adepto duma liberalização do Estado porque este, per si, tem características muito diferentes duma empresa integrada num mercado e, da mesma forma que o AA desconfia dos critérios privados aplicados à "meritocracia" da AP (uma "mímica infeliz", segundo as suas palavras), eu também desconfio da aplicação desses critérios duma forma mais lata a um Estado que tem características muito diferentes duma empresa.


Tópicos Relacionados:
O Sector Público (1) (2) (3)
Administração Pública
O outsourcing no Estado

quarta-feira, maio 10, 2006

843. Segurança Social: Comentários

838. Contribuição obrigatória para a Segurança Social

A redistribuição é sempre eticamente errada, como é as pessoas terem "direito" a bens ou serviços para os quais não se esforçaram proporcionalmente.

AA, A Arte da Fuga


Antes de mais agradeço, António, os múltiplos comentários neste espaço. Considero que o ponto de partida desta frase condiciona toda a discussão que se segue. Pergunto, com a subjectividade própria do tema, qual é a verdadeira relação entre o "esforço" e a remuneração? Concerteza que há pessoas que não se esforçam para ter algo e aí concordo que há falta de fiscalização por parte do Estado mas não há qualquer correlação estatística relevante entre esforço e remuneração. Eu, pelo menos, não consigo dizer que o esforço dum operário é menor do que o de um administrador, posso é dizer que o segundo, subjectivamente, contribui mais do que o primeiro para a criação de bens e serviços e é recompensado financeiramente por isso. O que não consigo fazer é avaliar quem se esforça mais até porque, como sabes, o mesmo esforço com um contexto diferente gera diferentes resultados económicos. Nessa perspectiva, ou seja, a subjectividade da avaliação da importância do trabalho (ou do tal esforço), não considero a redistribuição eticamente errada até porque acho que desempenha um papel positivo a médio prazo mesmo para quem mais contribui para a redistribuição.

Casos dramáticos haverá sempre. A ideia será os indivíduos espalharem os ovos por vários cestos. É mais importante que a Justiça aja de forma a que haja cumprimento das condições contratuais destes planos privados, porque assim podem funcionar.

AA, A Arte da Fuga

A prática de mecanismos liberais, como defendes, tem sido bem diferente desta. Os ovos tendem a serem metidos no mesmo cesto com maior risco associado e os casos limite de perda total de segurança futura não têm sido corrigidos pela justiça. Já dei vários exemplos internacionais (Enron, fundos privados na Inglaterra) e nacionais (PT, BCP).


841. Prós e Contras: Segurança Social

O actual sistema é uma pirâmide de Ponzi, ou seja, depende dos novos contribuintes para sustentar os antigos. Não só mas também porque a esperança de vida aumentou, a natalidade não acompanhou, nem entraram novos contribuintes para o sistema. Não é sustentável.

AA, A Arte da Fuga

É verdade, o actual sistema faz com que os contribuintes de hoje paguem as reformas dos reformados de hoje quando o sistema devia tender para que cada um sustente a sua reforma de amanhã, com a nuance, nas nossas opiniões, da redistribuição. Como já referi anteriormente não devemos lamentar mais o passado e, tendo em atenção este ponto de partida, corrigir no sistema o que está mal. E o sistema, tal como está, é, de facto, insustentável.

Tudo isto porque se partiu da falácia ética que as pessoas têm direito a manter determinado nível de vida quando saiem da vida activa quando não se precaveram para o efeito - ou confiaram num Estado que está a demonstrar ser tão bom gestor destas coisas com no resto da Economia.

AA, A Arte da Fuga

Perfeitamente de acordo! A reforma não deve ser entendida como algo que garante um nível de vida a todo o custo porque isso não é sustentável mas sim como algo que garante uma proporção desse nível de vida, mais ou menos conforme a redistribuição, e que o resto deve ser compensado por sistemas complementares. A contribuição para a SS não pode, simultaneamente, "pagar" a baixa, o desemprego e a reforma na mesma proporção do rendimento auferido com a actual esperança de vida.

Quem quisesse dispor de mais dinheiro teria de o poupar e de o investir ao longo da sua vida activa, porque só assim teria direito a reclamar titularidade do mesmo.

Voltando à pergunta e à resposta que se impõe. Um sistema como o proposto seria sustentável, logo seria vantajoso "em termos globais". Para mais, aumentaria a liberdade das pessoas e não agridiria os direitos dos cidadãos em nome de "coesões sociais" que afinal são a primeira vítima desta trapalhada sem justificação possível.

AA, A Arte da Fuga

É aqui que discordamos. Os plafonds (esquecendo para já os conceitos de "reforma mínima" e "máxima") criam uma liberdade artificial, ou seja, todos os que estão abaixo do tal limiar - criado por um critério subjectivo qualquer - são obrigados a contribuir para o "bolo" público e os que estão acima desse limiar ganham a tal liberdade. Este sistema - que na sua génese separa as águas entre os que têm pouco rendimento e os que têm muito - afecta um dos príncipios fundamentais da existência da Segurança Social tal como existe, o da redistribuição. Podes não concordar com a redistribuição através da Segurança Social mas não podemos fugir à questão de fundo, ou seja, que vantagens acrescidas traria este sistema? Uma ínfima percentagem da população - que recebe mais do que os 4 ou 5 ou 6 ou 7 salários mínimos nacionais ia ter um pouco mais de rendimento à custa da supressão da redistribuição. No meu conceito de sociedade a redistribuição permite corrigir alguns efeitos perversos do funcionamento da economia de mercado - sistema que defendo - e não quero subvalorizar as questões relacionadas com a coesão social, muitas vezes interligada com o limiar de pobreza. Na minha visão social continuo a entender os impostos e as reformas como um mecanismo de prevenção de situações de pobreza extrema e daí defender que o esforço percentual para a contribuição ser diferente conforme o rendimento. Não considero estas medidas um travão ao livre desenvolvimento da economia mas sim um investimento uma vez que uma sociedade com problemas de pobreza - mesmo que atenuados por um melhor funcionamento da economia - gera situações que, proporcionalmente, são muito mais graves que estes tais constragimentos à liberdade de funcionamento da economia.

Como adenda refiro que todos nós estamos sujeitos ao azar - genético, social ou económico - e que só a redistribuição garante a dignidade humana nestas situações.


842. Mudanças na Segurança Social (II)


A nova fórmula tem de mexer com a contribuição das empresa e não pode de deixar de fora as empresas com maior valor acrescentado bruto. As empresas hoje contribuem com 27,5%, salvo erro, POR TRABALHADOR. O que significa que empresas com a corda na garganta contribuem mais que empresas altamente lucrativas, com menos trabalhadores e isso não é dificil de encontra agora, com o advento das micro e médias empresas das áreas tecnológicas.

Fernando, A Hora que há-de vir

Fernando, compreendo que os números baixos das reformas choquem mas isso deriva de outro problema, ou seja, a produtividade é baixa logo os salários são baixos logo as reformas são baixas. A questão essencial é como devemos gerir o sistema globalmente. Não podemos aumentar as reformas sem melhorar a produtividade mas podemos fazer um esforço de redistribuição independentemente da produtividade. Não concordo nada com a forma de cálculo que sugeres uma vez que penaliza a criação de riqueza. Podes dizer que essa riqueza não gera directamente trabalho mas concerteza que o faz indirectamente.

(...) vários economistas defendem a descida do IRC, para tornar as empresas mais competitivas no mercado externo e dinamizador da economia. Ora esta descida no IRC permitiria mudar o modelo de financiamenmto pela VAB e não pelo nº de empregados sem grandes problemas.

Fernando, A Hora que há-de vir

Também estou em desacordo. Eu defendo um nível fiscal estável, ou seja, sou pouco adepto de mexidas nas taxas (em qualquer dos sentidos) porque acho que os Estados não devem entrar em concorrência fiscal (coloca em causa as próprias funções do Estado). Posto isto discordo da medida por esta razão e pela outra que dei anteriormente. O que não quer dizer que ache que as taxas de IRS, IRC e IVA estejam adequadas em relação às funções actuais do Estado.


Vou aguardar.. entretanto esta de 85% de beficiários da reforma receberem abaixo do salário mínimo, desmonta qualquer ideia de que se recebem reformas altíssimas como, se tentou afirmar.

Fernando, A Hora que há-de vir

O problema não é serem altíssimas - é óbvio que não são - o problema é que são muito altas se tivermos em consideração a sustentabilidade do sistema. Continuo a defender que, no passado, foram feitos muitos erros e um deles foi optar pelo facilitismo de prometer o que não se podia cumprir no futuro, ou seja, é fácil prometer o que só os senhores que se seguem têm que assegurar.

sobre esta tema devem ser tidos em conta 3 factores:
1. se o Estado durante décadas usou os cofres da seg. social agora deve repôr por igual periodo de tempo esses mesmos cofres
2. o sistema deve ser renovado de acordo com a nova esperança de vida, ou seja, deve contenplar a maior esperança de vida, mas as empresas devem ser desencorajadas a despedir pessoas com mais de 45 anos...
3. natalidade... aqui reside o vero busilis da questão... os governos tudo devem fazer nesta área, e aqui discordo de si...

AA, A Arte da Fuga Rui Martins, Quintus (por engano dei a paternidade deste comentário à pessoa errada e respondi de acordo com quem pensava ter feito o comentário... desculpa a ambos)

1. De acordo ( o mesmo aviso vai para a PT e para o BCP); 2. Desencorajar as empresas parece-me uma ideia pouco liberal, hehe; 3. Já argumentei muito sobre este tema e tenho pena que quem decida ter decisões do foro íntimo desta natureza seja fortemente penalizado. Mas aqui talvez já seja uma ideia muito liberal da minha parte, hehe.


Nota: Lamento retirar de contexto algumas frases e não ter feito um comentário mais individual a cada um dos comentários mas parece-me que esta é a melhor forma de rentabilizar o rácio esclarecimento/tempo dispendido. Agradeço os comentários.

quarta-feira, maio 03, 2006

842. Mudanças na Segurança Social (II)

É cada vez mais consensual que a situação actual da Segurança Social é insustentável. Essa percepção é positiva. Ao longo dos anos foram cometidos vários erros e vou destacar três:

1. No tempo das "vacas gordas" aproveitamos também para engordar todos os tipos de protecção social sem qualquer sustentação na produtividade ou sem qualquer tipo de garantia de viabilidade económica geracional. É o que eu chamo de facilitismo político, ou seja, agradar tudo e todos e empurrar a conta para os governantes que se seguem, ou melhor, para os cidadãos do futuro. Cavaco Silva e António Guterres tiraram o doutoramento no facilitismo político (e não só na Segurança Social);

2. O aumento da esperança média de vida não é uma novidade e uma vez que todos sabiam, há décadas, que a percentagem de população activa tendia a diminuir - não só por força do envelhecimento mas também por uma entrada mais tardia dos cidadãos no mercado de trabalho - então porque é que isso não foi tido em conta nos cálculos das reformas há mais tempo?

3. A Segurança Social não devia ter como base os trabalhadores de hoje pagarem as reformas de hoje e devia estar construída da forma mais intuitiva, ou seja, os trabalhadores de hoje pagarem as suas próprias reformas no futuro descontado ou acrescentado o factor redistribuição. Para isso era importante que o Estado cumprisse sempre as transferências para o fundo de capitalização e nem sempre isso foi feito, com destaque mais recente para o Governo de Durão Barroso.

Após esta análise superficial dos erros do passado - e não vale a pena chorar mais pelo leite derramado - importa olhar para o futuro tendo como base a situação actual. E seguindo a lógica deste pensamento as reformas não devem ser adiadas só porque tudo poderia ter sido feito de outra forma. E se um dos problemas de sustentação do sistema é a natalidade, a esperança média de vida e a produtividade parece-me natural que o sistema fique indexado a estes critérios.

Num dos critérios, a natalidade, já referi que o Governo não devia interferir porque toca um problema do foro privado das famílias (ver texto Mudanças na Segurança Social (I)) e devia cingir-se a criar condições (infra-estruturas, equipamentos, entre outros) para que as pessoas queiram ter filhos. Incentivos ou penalizações monetárias prejudicam os cidadãos que legitimamente não querem ter filhos (como já são prejudicados ao nível fiscal aqueles que escolhem não casar ou não dividir a vida com alguém). Também já referi que não concordo que as taxas de contribuição e os subsídios estejam indexados ao número de pais vivos ou ao rendimento dos filhos, respectivamente. Restam dois critérios: a esperança média de vida e a produtividade!

(Continua)

Tópicos relacionados:
837. Mudanças na Segurança Social (I)
838. Contribuição obrigatória para a Segurança Social
841. Prós e Contras: Segurança Social

terça-feira, maio 02, 2006

841. Prós e Contras: Segurança Social

Estava à espera de finalmente perceber as vantagens dos plafonds opcionais na contribuição para a Segurança Social Pública mas após assistir à troca de argumentos entre o Ministro do Trabalho Vieira da Silva e o ex-Ministro do Trabalho Bagão Félix continuo sem perceber a vantagem dessa "liberdade". Qual a real vantagem global, e sublinho a palavra global, de criar os plafonds? Como o Ministro defendeu, e eu concordo, os plafonds criariam desequilíbrios extras no sistema público e não é líquido que, mesmo a longo prazo, hajam poupanças para o Estado. Adicionalmente limitava, e muito, o papel redistributivo do Estado através das reformas e nem estou a falar dum sistema puro de opções que tem riscos ainda mais elevados (veja-se exemplos como a Enron, a PT, o BCP ou até os recentes problemas com fundos na Inglaterra). É por pura incompreensão das vantagens desta "liberalização" do sistema de rendimentos na idade avançada que contesto esta onda de reinvindicações no sentido dum sistema mais livre (não contesto haver algumas vantagens individuais mas continuo a não perceber como compensam os prejuízos individuais que também iam aparecer).

Alguém é capaz de explicar, e eu agradecia, as vantagens globais dum sistema com plafonds?


Tópicos relacionados:
837. Mudanças na Segurança Social (I)
838. Contribuição obrigatória para a Segurança Social

segunda-feira, maio 01, 2006

840. 1 de Maio

É interessante verificar que, e este é o dia ideal para reflectir sobre isso , os trabalhadores perdem cada vez mais peso em relação aos consumidores. Os - homens -consumidores são cada vez mais exigentes em relação ao que compram e à qualidade do que compram enquanto que os - homens - trabalhadores, à semelhança dos - homens - cidadãos, são cada vez mais apáticos em relação aos seus direitos.

Ao contrário do que possa parecer não tenho nada contra o consumo e ao facto de sermos exigentes com o que compramos - é excelente que assim seja - mas fico espantado que isso não aconteça na mesma proporção em relação à sociedade e aos nossos postos de trabalho. A concorrência - global - tem trazido enormes benefícios a quem consome - na relação preço qualidade - mas não é líquido estar a acontecer o mesmo nos direitos e remunerações de quem trabalha. É o preço do dumping social e da maior exigência nos custos de produção. No limite a concorrência vai tornar o trabalho mais precário e exigente, pago numa proporção mais baixa do que actualmente. Isso não é necessariamente negativo mas tem que haver regulação para que o dumping social não coloque em risco um mínimo de direitos laborais e sociais.

O que é cada vez mais notório é a indiferença com que o homem assiste a esta mudança de foco, ou seja, da prioridade em ter direitos laborais para a prioridade em ter direitos como consumidor. Talvez seja esse o seu, do homem, desejo. O trabalhador, à semelhança do cidadão, é cada vez mais apático. E o peso - ou falta dele - do dia 1 de Maio é o perfeito espelho destas mudanças...