Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

quinta-feira, setembro 28, 2006

910. Segurança Social


Na Assembleia da República - debate sobre a Segurança Social - esteve em discussão muito mais do que quantos mil milhões de euros custa cada opção dos partidos políticos. O que esteve na mesa foi que modelo de sociedade estamos dispostos a defender e quais os riscos que estão inerentes em cada opção.

Nenhum dos modelos era radical, ou melhor, inexequível e cada um dos lados tem argumentos fortes, ou seja, ou estávamos dispostos a adaptarmo-nos à globalização ou estávamos convictos que há objectivos que não devemos abdicar por causa desse fenómeno. E cada uma das opções, não nos iludamos, tem sérias consequências.

Ganhou, por força da maioria parlamentar, a opção que defendia que é possível, tornando a equação do cálculo das pensões dependente de factores variáveis (esperança de vida, crescimento económico, entre outros), manter um sistema redistributivo na verdadeira acepção da palavra. Na minha opinião ainda bem que assim foi.

Ninguém pode dar uma resposta cabal sobre a correlação entre PIB per capita (e até crescimento económico) e o grau de "Segurança Social" (conceito, per si, subjectivo) e, muito menos, sobre a insustentabilidade dum modelo público. O impacto de sociedades menos redistributivas na riqueza gerada é incalculável e o modelo é sustentável ou não conforme as regras do jogo (forma de cálculo, eficiência na cobrança e distribuição, entre outros). É preciso não esquecer que não há fórmulas mágicas e que há casos de sucesso e insucesso financeiro e económico nos dois lados da "barricada" (ver dados da OCDE no quadro acima).

Outro ponto a ter em conta, no caso português, é que é necessário reconhecer que houve, no passado, exageros que geraram desequilíbrios inter-geracionais mas que isso, por si só, não é justificação suficiente para rejeitar o espírito do modelo até porque é factual que a Segurança Social tem coberto áreas que não são exclusivamente relacionadas com as pensões (baixas médicas, desemprego, imigração) e que os fundos de capitalização têm sido, infelizmente, um instrumento de execução orçamental.

Também é preciso reflectir que evoluir para um sistema misto de escolha entre público e privado só é possível para quem tem rendimentos acima da média e que quem não está "acima dessa média" continuaria a estar constrangido a uma opção, a pública. Apesar de haver benefícios claros para os primeiros esse sistema misto tem, inevitavelmente, custos para a redistribuição (e não só porque a SS também "alisa" os factores exógenos da vida). Um sistema de plafonamento também tem custos na redistribuição e, afinal, para além das taxas obrigatórias já há liberdade de opções (admito que possamos discutir taxas). Desconfio, simultaneamente, da gestão que o homem faz das suas poupanças (o longo prazo é desvalorizado) e também desconfio da eficiência do Estado mas, dentro das opções ao nosso dispor, sabendo que o óptimo não existe, acredito que esta opção é a melhor.

Acima de tudo, e apesar do futuro poder trazer inflexões a estas decisões, foi tomada uma opção. E é importante dizer isto, é importante sublinhar que houve uma opção porque nem sempre, arrisco até a dizer que quase nunca, o melhor caminho é o caminho dos unanimismos, é o caminho dos pactos lamacentos...

sábado, setembro 23, 2006

909. Filosofia Barata: Grão de Areia no Universo (2)



O Homo Sapiens (latim para homem sábio, homem racional) - sim, a "nossa" espécie - "ganhou", no processo de evolução, uma vantagem comparativa - aparente - em relação a qualquer outra das espécies que habitam este planeta. Digo aparente porque não sabemos que características serão mais importantes para que as espécies sobrevivam no longo prazo e porque dominar é subjectivo. "Nós" dizemos que é a inteligência e o conhecimento que nos dão esta primazia mas, quem sabe, há características mais importantes a prazo que estas que já são, per si, relativas.

O tal homem sábio, ou homem racional - pausa para racionalizar sobre isto - acha que a sua aparente capacidade superior de raciocínio e inteligência são de tal forma evoluídas em relação a qualquer outra espécie conhecida por ele ("nós") que tomou a liberdade - ou o luxo - de ser condescendente com todas as outras espécies. Em primeiro lugar ocupamos agressivamente todo o espaço destas espécies e temos o altruísmo de as salvar, no momento sequencial seguinte, da extinção, nem que seja para as colocar em exposição permanente mas, mais importante, retiramos a qualquer espécie o direito de ter uma "alma". Já achamos que somos a única espécie racional e, para colocarmos a cereja em cima do bolo, achamos que somos a única a ter acesso à eternidade. Nós nos elevamos, unilateralmente, à qualidade de deuses, ou melhor, criamos os deuses à nossa imagem. Um homem crente defende que o universo teve que ser criado por "alguém" e que este alguém criou "vida" mas considera que só parte dessa "vida" tem direito à eternidade (à alma). Mais uma vez um raciocínio conveniente*...

Não devíamos ser mais humildes? Vamos raciocinar, racionalizar, ou seja, usar a nossa faceta de sábios. Qual seria o impacto para o universo da extinção do homo sapiens? E melhor, se, de um momento para o outro, um qualquer insecto se tornasse na espécie dominante do nosso insignificante planeta, alguém pode garantir que o impacto dessa mudança no universo seria relevante?

Continua...

* Também aceito que este raciocínio é conveniente para a "minha" conclusão

terça-feira, setembro 19, 2006

908. Filosofia Barata: Grão de Areia no Universo (1)


Clouds of Carina - Hubble Heritage Team - AURA/ STSci/ NASA

Olhemos para a imagem. Quantas estrelas estão visíveis neste finito - em largura, comprimento e profundidade - olhar sobre o universo? Quantos planetas devem orbitar o conjunto destas estrelas? Quanta "vida" - existência - deve subsistir na reunião de todas estas partes que constituem um todo?

Pensar desta forma, ou seja, que é provável a existência de inúmeras formas de "vida" fora do nosso planeta faz-me olhar para a minha (nossa) existência - ou "vida" - de forma relativa. Somos insignificantes no contexto global do que nos rodeia - somos um grão de areia no universo - e não conseguimos - como espécie - lidar com a nossa própria insignificância. Criamos, por arrasto, complexos "sistemas" de regras e leis que dão consistência à possibilidade de uma "vida" - eterna, ou seja, com significado - após a morte.

Não é o meu objectivo negar a existência de um "ser superior" - afinal estamos todos, sem excepção, desprovidos de informação fiável sobre o sentido da "vida" - mas, confesso, parece-me tudo muito conveniente. Eu explico. A ideia que há um "criador" de tudo o que é "vivo" ou "inanimado", um ser que é tudo menos insignificante, e que ainda por cima criou-nos à sua imagem é, de facto, muito conveniente para o fim proposto. Deste modo é natural que eu desconfie dos deuses e ainda mais do modo como estes nos são "apresentados" pelas diversas religiões. No fundo as religiões são - já foram mais - essenciais para que o homem esteja disciplinado e, mais importante, que tenha esperança numa recompensa que premeie essa disciplina. A religião, de forma conveniente, foi a cola das nossas sociedades e, muitas vezes, dos nossos "representantes".

É importante não me dispersar mais. Como dizia, por outras palavras, defender a existência duma "alma" é a escapatória perfeita à morte, ou seja, à nossa insignificância no contexto global. Só temos uma certeza, concretizando, a morte é visível, é a extinção duma "forma de vida", ou melhor, quando esta deixa de ser viável e, sejamos frontais, a vida após a morte é mera especulação mas essa especulação, nas suas mais diversas formas, tem sido o sustentáculo de muitas sociedades ao longo da história. Até prova em contrário, continuamos a ser um grão de areia no universo...

Continua...

domingo, setembro 17, 2006

907. Será proibido falar sobre Maomé?















"Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo. Não encontrarás senão coisas demoníacas e desumanas, tal como o mandamento de defender pela espada a fé que ele pregava"

Joseph Ratzinger a citar o Imperador Manuel II Paleólogo


Sou agnóstico e nem sequer devia comentar estas peripécias do mundo religioso mas como vou apenas dar a minha opinião como observador independente, acho que não faz mal. Desta vez não vou criticar o Papa - também não vou defender - porque acho muito bem que o supremo líder espiritual da Igreja Católica Apostólica Romana e também chefe do Estado do Vaticano tenha uma opinião própria, que seja frontal e diga o que pensa desde que, como é o caso, não o faça com o intuito de desrespeitar alguma religião. Acho sinceramente que não foi o caso. No máximo é ridículo que o representante de uma religião com o passado que a católica tem venha criticar as origens de outras religiões mas, como disse, até acho reconfortante que o Papa não seja apenas uma figura decorativa e neutra já que representa uma e só uma religião.

O que eu acho realmente lamentável são as manifestações não pacíficas - porque as pacíficas não critico - de uma minoria de fundamentalistas religiosos. Esta moda de atacar templos sempre que alguém verbaliza uma crítica a Maomé é profundamente lamentável. Considero que se trata de uma minoria - também há fundamentalistas católicos - mas que deve ser frontalmente criticada e condicionada porque, por mais lamentáveis que sejam as palavras de qualquer homem, seja ele qual for, não há justificação possível para este tipo de violência.

sábado, setembro 16, 2006

906. Perguntas Pertinentes

"Será que Cavaco Silva pretende deixar algum espaço para que os partidos parlamentares, democraticamente eleitos, exerçam em liberdade o contraditório, essência da democracia?"
Fonte: Público, Sobe e Desce

Esta pergunta tem toda a lógica e é necessário colocar um ponto final no tipo de intervenção que Cavaco Silva insiste em ter. Já ouvi, da sua boca, a necessidade de "cooperação estratégica", "estabilidade dinâmica" e agora esta defesa da necessidade de pactos. Muito sinceramente nenhum destes tipos de intervenção tem a mais mínima utilidade para o país e não tem a mínima lógica no contexto da Democracia. O Presidente da República é um árbitro e um mediador que pode e deve também ter influência própria na promulgação - ou veto - das leis. O que este não pode fazer é promover pensamentos únicos em determinada matéria em nome duma noção de serviço à pátria. O PS ganhou as eleições com maioria absoluta e o PR deve respeitar isso e, se não concordar, só tem uma de duas soluções: vetar as leis ou, no limite, dissolver a Assembleia da República. Se não optar por isso sempre pode continuar a promulgar as leis com os seus "Sim, mas..." mas esquecendo a promoção de cooperações e pactos a toda a hora que mais parecem uma tentativa de condicionar os partidos - e, por arrasto, o Governo - às suas ideias.

"Enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas do Amaral negociou e assinou em nome do Estado português um protocolo com a Fundação Aga Khan para cooperação e acção de combate à exclusão. Agora Freitas foi nomeado pelo Governo, de que fazia parte, para chefiar a delegação portuguesa que vai integrar a comissão paritária que arrancará com o programa de protocolo. Freitas já disse que não aceita remuneração. Mas a dúvida permanece: será que a decisão não beneficia quem a tomou?"
Fonte: Público, Sobe e Desce

Não gosto de escrever sobre incompatiblidades - é sempre subjectivo, ver aqui - mas, sem estar a acusar ninguém de corrupção, parece claro que tem que haver bom senso. Se uma determinada pessoa negoceia um protocolo entre o Estado e uma Fundação não deve, mais tarde, ter um papel pessoal no processo com outra qualidade/ função. Bem sei que não vai trabalhar para a Fundação e que não vai auferir remuneração mas, a bem da transparência, não deve enriquecer o seu currículo à custa do protocolo que ele próprio assinou enquanto exercia outras funções de representação do Estado.

905. A voz do cidadão


É a assistir a programas como A Voz do Cidadão - RTP1 - que percebo as vozes que defendem que o Estado deixe de ser proprietário de orgãos de Comunicação Social. Infelizmente o Estado parece incapaz de fornecer serviço público e confunde este com programas deste género, ou seja, paternalistas e formais. De repente senti-me a recuar mais de 30 anos, para uma época em que ainda nem tinha nascido.

Já que este programa, apresentado pelo provedor do telespectador, o Prof. Dr. José Manuel Paquete de Oliveira tem como objectivo dar voz a quem vê televisão aproveito para mandar uma mensagem: por favor não confundam pedagogia com moralismo, paternalismo, virtuosismo ou conservadorismo!

904. Em DVD: From Dusk Till Dawn (Triologia)

Aviso: Este texto pode conter spoilers, ou seja, pode revelar parte da história


From Dusk Till Dawn

Realizador: Robert Rodriguez
Elenco: George Clooney, Quentin Tarantino, Harvey Keitel, Juliette Lewis, Salma Hayek


From Dusk Till Dawn 2: Texas Blood Money

Realizador: Scott Spiegel
Elenco: Robert Patrick, Tiffani-Amber Thiessen


From Dusk Till Dawn 3: The Hangman's Daughter

Realizador: P. J. Pesce
Elenco: Marco Leonardi, Sónia Braga


From Dusk Till Dawn (o título escolhido em Portugal é Aberto até de Madrugada) é uma das inúmeras colaborações entre o cineasta mexicano Robert Rodriguez e Quentin Tarantino. Relembro que Rodriguez e Tarantino colaboraram no filme Four Rooms (cada um realizou um episódio dos quatro que constituem o filme), que Tarantino realizou uma cena do filme Sin City e que ambos vão realizar, separadamente, uma média metragem de uma hora que, em conjunto, formará o filme Grind House.


Quentin Tarantino e George Clooney são os irmãos Gecko

A combinação da escrita corrosiva de Tarantino e a realização frenética de Robert Rodriguez resultou num filme completamente despretensioso - numa brincadeira entre dois amigos que não é para ser levada a sério - que mistura géneros de cinema, que é violento e acutilante, que tem actores em piloto automático, mas que, em nenhum momento, deixa de ser apelativo para quem é convidado para esta "festa" pessoal.




Salma Hayek é uma das bailarinas do Titty Twister (Open Dusk Till Dawn)

O que o filme tem de mais original é a habilidade com que se rompe com a estrutura habitual dos géneros de cinema. No início parece que estamos perante um "road movie" com dois criminosos em fuga após um assalto a um banco. Os diálogos, nesta fase, são longos e caricatos, parece mais um filme de Quentin Tarantino do que de Robert Rodriguez. Seguem-se os raptos, as fugas, a violência habitual de um filme policial. Então, de repente, aos 58 minutos do filme... sem qualquer indício ou pista... shazam... os vampiros invadem o filme e o registo do filme passa a ser de série B. O ritmo do filme muda, a acção desenrola-se num bar , entramos no universo Robert Rodriguez. Podemos criticar o filme por manipular o espectador mas este tipo de manipulação não é ofensiva porque apenas quer manter o espectador num parque de diversões, numa montanha russa que anda sem nexo.

Quanto às sequelas - a parte 2 e 3 - confesso que, em ambos os casos, não consegui assistir até ao fim.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

903. A aposta na blogosfera do Sol


É engraçado que o Sol aposte na blogosfera (permite a criação de blogues, veja-se um exemplo). É um passo natural que os jornais de referência e os embrionários tentem envolver os blogues na sua promoção. Continuo a defender que, para já, a blogosfera tem um impacto reduzido na opinião pública e que só tem peso quando a imprensa tradicional apadrinha algumas das suas causas. Apesar disso já é notória a crescente instrumentalização da blogosfera por parte da imprensa tradicional. Também eu, com estes textos, estou a promover algo (que talvez até nem tenha gostado muito)...

902. Primeira impressão do Sol


Gosto da jogabilidade do Sudoku na página inicial do Sol na Web.

sexta-feira, setembro 15, 2006

901. Descompressão?


Depois de uma sucessão de anos em que as notícias económicas eram deprimentes eis que chega a bonança. Na minha opinião apenas para voltarmos a cometer os erros do passado - o ritmo reformista abranda, nenhuma mudança de fundo está feita, o tecido empresarial continua pobre e a empobrecer - mas, de qualquer maneira, finalmente boas notícias.

A execução orçamental, realisticamente, corre bem melhor que no passado - bendito crescimento económico que, afinal, sempre foi a chave do problema - com a receita pública a crescer 7,7 por cento e a despesa a aumentr 2,8 por cento, com um grau de execução de 65 por cento até Agosto. Fica por saber, como muito bem avisa o ministro das Finanças, se as autarquias - que agora até negoceiam a cedência de créditos futuros com a banca (é chocante!) - e as regiões autónomas estão a ter um desempenho idêntico à Administração Central.

Já estou mais conformado com a necessidade de não sobrar nada do sector empresarial nas mãos do Estado - continuo reticente em relação ao sector energético mas enfim - mas espero que as receitas provenientes das privatizações - 1560 milhões de euros este ano com a Galp, Rede Eléctrica Nacional e Portucel - não sejam utilizadas para atingir a meta orçamental mas sim para ir além do que foi definido como objectivo. Está na hora de cumprir a promessa de separar bem as águas entre o que é uma receita extraordinária e uma ordinária.

A cereja no cimo do bolo é a indicação - cautelosa para já - duma descida do IVA até ao fim da legislatura. Aproveito, mesmo assim, para relembrar que a subida do IVA de 19 para 21% não foi definitiva já que o Governo, a priori, resolveu chamar o aumento de transitório, ou seja, com data de expiração. Assim regressar aos 19% não é uma descida mas a natural evolução duma promessa do Governo mas como as promessas são como o vento, nunca se sabe para que lado sopram, é bom ouvir esta indicação.

Remato este texto com um aviso. Estamos a entrar num ciclo mais positivo para Portugal mas os problemas estruturais não desapareceram e só antevejo um futuro risonho para as gerações de portugueses que estão agora a aparecer se e só se o esforço para mudar a nossa mentalidade e ultrapassar as limitações da nossa economia for contínuo.

segunda-feira, setembro 11, 2006

900. Sim, mas...



Não consigo descansar sem tirar algo a limpo. Quem mais, para além de mim, acha que o nosso Presidente da República é a personagem mais monótona e entediante que invadiu os nossos lares no tempo mais recente? Ainda digo mais, serei o único que acha que o nosso distinto Presidente da República consegue destacar ainda mais a inconsequência do seu cargo?

Durante a campanha eleitoral para a eleição do PR li, em muitos blogues e artigos de opinião, que este era o homem ideal para obrigar, pela sua exigência, Sócrates a imprimir um ritmo diabólico de reformas. O que assisto, porém, é o aliviar da compressão por parte do Governo perante um PR averso a qualquer tipo de agitação das águas. Li, também, que o nível de exigência do Professor na aprovação das leis era altíssimo mas, até agora, só assisto a muitos nim, ou melhor, como já li no Expresso e que encaixa perfeitamente na actuação de Cavaco Silva, é o PR do “sim, mas...”. A moda do PR em tecer comentários e lançar dúvidas sobre a lei que acaba de aprovar parece que veio para ficar. Tudo em nome da "estabilidade dinâmica" que eu prefiro chamar de estabilidade podre.

Mas o que torna o nosso PR mesmo chato é este insistir em esvaziar os partidos políticos de ideias bem definidas para o país. Tudo fica enfadonho quando parece que só há uma via. Cavaco Silva bem avisou que “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar” e, então, promove entendimentos sobre todo e qualquer assunto e suspeito que, qualquer dia, PS e PSD vão ter que concordar que devem desaparecer e darem lugar ao partido Portugal. Continuidade sim mas unanimismo não. Comprometer os principais partidos a um rumo estreita a capacidade de criar rupturas, de criar novas energias na alternância, de criar o distanciamento necessário para romper vícios.

Cavaco Silva não percebe a utilidade do contraditório perante um acontecimento único - e temo que nunca vá perceber - e, entretanto, cada vez fica mais intenso o odor fedegoso das águas estagnadas em Portugal...


Tópico Relacionado:
Março 19, 2006 815. O Bloco Central e Cavaco Silva

domingo, setembro 10, 2006

899. Em DVD: Assault on Precinct 13 (1976) (2005)


Cartazes de Assault on Precinct 13, versão original e remake

Versão 1976
Realizador: John Carpenter
Elenco: Austin Stoker, Darwin Joston

Versão 2005
Realizador: Jean François Richet
Elenco: Ethan Hawke, Laurence Fishburne, John Leguizamo, Maria Bello, Brian Dennehy, Gabriel Byrne


Assault on Precinct 13, versão original de John Carpenter

Se Steven Spielberg é o rei dos blockbusters (pelo menos um dos impulsionadores do género), John Carpenter é o rei da série B. Parece um título que queremos evitar ter mas eu, confesso, adoro ver um bom filme de série B que é o mesmo que dizer que gosto de um mau filme piroso e despretensioso. Carpenter, por mais filmes que faça, parece sempre que está a começar a sua carreira tal é o amadorismo que os seus filmes transparecem.

Assault on Precinct 13 (1976) é um dos primeiros filmes de Carpenter e, sem ser um dos filmes deste realizador que mais recomendo, é série B no seu estado puro. As características mais visíveis deste género em Carpenter é o humor seco, os diálogos pirosos, a abundância de clichés, a música de garagem. Desta vez o tema não é o fantástico mas sim o crime mas os criminosos bem podiam ser zombies que não se notava a diferença. Qualquer situação do filme que tenha qualquer semelhança com uma situação realista é pura coincidência porque, afinal, é um filme de John Carpenter. Basta dizer que o filme tem a denominação Assault on Precinct 13 e que, durante o filme, chamam a essa mesma esquadra de Precinct 9, Division 13.


Assault on Precinct 13, remake de Jean François Richet

A nova versão de Assault on Precinct 13 (2005) não comete o erro – que seria crasso – de abandonar o registo de série B. Os diálogos mantêm-se pirosos, os piropos às meninas estão lá, o humor seco é frequente. Se Jean François Richet tivesse aproveitado a ideia original – o ataque a uma esquadra de polícia – e feito um filme de acção “cuidado” acredito que o resultado final fosse bem pior. Mas, mesmo sem perder o ambiente de Série B, esta nova versão não parece tão “autêntica” – ou melhor, fiel ao género - porque é visível um aumento de qualidade em todos os aspectos da produção. Mesmo assim o realizador francês tem a “coragem” de ainda ser mais subversivo que Carpenter e, em vez de serem gangsters a atacarem a esquadra, são polícias a atacarem sem piedade (perdi a conta da quantidade de balas que trespassaram a cabeça das personagens) outros polícias.

São dois filmes para não levar muito a sério porque, afinal, esse é o espírito da série B.

Síntese da Opinião: Na série B a classificação dum filme é tanto melhor quanto pior for o filme. A versão de John Carpenter é mesmo má e a de Jean-François Richet é um pouco melhor. Nuff said!

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sábado, setembro 09, 2006

898. Sala de Cinema: United 93 (Flight 93)



Realizador: Paul Greengrass
Elenco: Cheyenne Jackson, David Alan Basche

Trabalhar este tema, o 11 de Setembro de 2001, não é fácil. É preciso não esquecer que, de todos os eventos dos últimos anos, este é o mais inimaginável, o mais difícil de compreender ou explicar. As marcas que este acto deixou em todos nós são profundas, ainda mais nos americanos, e, sem dúvida, é o acontecimento isolado que mais mudou o mundo nos últimos tempos. Cinco anos depois o tema começa a ser trabalhado no cinema e nota-se que tudo o que sublinhei acima ainda condiciona, e de que maneira, o trabalho atrás das câmaras.


Um documentário aborrecido? Uma tese sobre o medo?

Por muito mais que o enredo pareça perfeito para um filme de acção a realidade é que o que aconteceu em 11 de Setembro desse ano não foi ficção. E o tempo que medeia o acontecimento do filme ainda não é suficiente para fazer uma abordagem corajosa dos eventos. Tudo isto para dizer que Paul Greengrass não acrescenta nada à reflexão sobre o 11 de Setembro e que, muito provavelmente, nenhum realizador ainda está disposto a correr esse risco (nem mesmo Oliver Stone segundo a crítica americana a WTC). O realizador prefere, então, fazer uma “tese” sobre as reacções humanas perante o medo e envereda por uma teatralização do que se passou durante o voo 93. Aborrece-nos com as conversas casuais, estremece-nos com as conversas de despedida e empolga-nos com o heroísmo dos passageiros. Para dar realismo a tudo opta por diálogos e um aspecto visual encenado a partir de telefonemas verídicos e suposições mais ou menos credíveis.

Resta perguntar se precisávamos deste filme. Não posso responder por mais ninguém mas pessoalmente acho que não. Os inúmeros documentários que vi na caixa mágica até esta data deram-me o grosso das informações que o filme transmite e, como nunca tive dúvidas que o que se passou naquele dia foi horrendo, dispensava uma peça de teatro, sem dúvida bem feita, montada para espiar os últimos momentos ficcionados de homens e mulheres desesperados.

Não posso deixar de acrescentar que todas as cenas das torres de controlo, postos militares e aeroportos são duma banalidade constrangedora.

Síntese da Opinião: Fica aqui a prova que ainda é muito cedo para a Sétima Arte correr o risco de fazer o que lhe compete – arte – em relação aos acontecimentos do dia 11 de Setembro de 2001.

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segunda-feira, setembro 04, 2006

897. Excessos da... FIFA


Pode uma associação proibir que os seus membros recorram aos tribunais civis?

Antes de contribuir para a confusão (porque caos é uma palavra muito forte para ser utilizada no contexto dum desporto) em que está envolvido o nosso desporto rei tenho que fazer uma nota prévia. Desprezo todo e qualquer dirigente que alimenta polémicas, divisões e insultos e que não está, em primeiro e último lugar, focado para o espectáculo (a vertente entretenimento), para os resultados desportivos e para a credibilidade financeira do clube. Dizer o que disse é o mesmo que dizer que desprezo quase todos os nossos dirigentes. Posto isto, vamos ao que me interessa focar na chamada “Ligacaos” ou “Caso Mateus”.

O que me deixa intrigado, e aviso que desconheço quase toda a problemática do caso e que ignoro a maior parte das declarações, é o cerne da polémica. Pelo que entendi um clube de futebol não pode resolver qualquer questão que envolva a modalidade em tribunais civis e, se o fizer, é penalizado. Este caso parece, à primeira vista, um típico caso dum Tribunal do Trabalho, mas não, as regras desportivas exigem, tal como na Máfia Siciliana, que tudo seja resolvido dentro das quatro paredes da organização. Compreendo que hajam regras específicas que todos devem aceitar mas esta proibição de utilizar os tribunais civis é claramente um abuso inaceitável de poder por parte seja de quem for (FPF, UEFA, FIFA, ou qualquer outra associação desportiva ou não desportiva).

Mas o melhor veio depois, ou seja, a FIFA faz um sem número de exigências com a ameaça da exclusão dos clubes portugueses (e eventualmente da selecção) de qualquer prova internacional. No fundo a FIFA exige que o clube que recorreu aos tribunais civis recue e que aceite ser exemplarmente castigado e que os outros clubes pressionem esse clube a implodir sobre o jugo dessa entidade omnipotente. Eu só tenho dois conselhos, um para o Governo, outro para os clubes portugueses. O Governo deve avisar a FIFA que quem tem a soberana capacidade de julgar os assuntos laborais, de acordo com as leis criadas pelo poder legislativo, são os tribunais civis. Já os clubes devem simplesmente antecipar-se a qualquer decisão da FIFA e rejeitarem qualquer tipo de chantagem duma associação que, na prática, deve servir os próprios clubes. Adicionalmente é necessário deixar claro, por parte de todos os Governos e clubes, que é inaceitável que a participação em qualquer prova esteja dependente da subalternização das leis soberanas do país em favor das leis duma entidade desportiva.

É confusão minha ou a Lei Bosman nasceu nos tribunais civis e teve que ser incorporada pelo mundo do futebol? Quem sugerir a expulsão dum clube – e pior, de todos os clubes e ainda da selecção desse país - por recorrer aos tribunais civis numa questão laboral deve, esse sim, ser alvo de forte penalização. Realmente não devo perceber nada de futebol...

domingo, setembro 03, 2006

896. Sala de Cinema: Miami Vice


Colin Farrell e Jamie Foxx na versão cinematográfica da série de televisão Miami Vice

Realizador: Michael Mann
Elenco: Colin Farrell, Jamie Foxx, Gong Li

Mulheres, automóveis e armas. Parece, à primeira vista, a “receita” ideal para que um filme tenha sucesso na bilheteira e não tenha qualquer substância e/ou qualidade. Na maior parte das vezes é verdade que é assim, ou seja, os filmes são tão débeis que a orgia visual começa a chatear em vez de empolgar. Neste caso o resultado é diferente tal é a destreza de Mann em manipular a imagem e o espectador.

Aprecio o estilo de Michael Mann apesar de reconhecer que é maniqueísta na forma como tenta misturar o tom documental com o aspecto “cool” da imagem (no fim não é carne nem peixe mas é um festim para a vista). Da sua realização saíram filmes quase documentais (The Insider, Ali) com o mesmo estilo visual e dramático que puras obras de ficção (Heat, Collateral). Este filme não é excepção, concretizando, por vezes tem um realismo que parece só ser possível encontrar num documentário e, de repente, tem imagens oníricas que vão ficar na retina durante meses, imagens essas completamente desfasadas da imagem pouco tratada e tremida de quem imita um documentário. Mas a combinação de estilos, sem deixar de ser manipulativa, funciona bem nas mãos de Mann.


Don Johnson e Philip Michael Thomas no Miami Vice original (anos 80)

Miami Vice foi o precursor dum estilo televisivo crú e realista (às vezes mais do que a própria Sétima Arte, basta ver as séries da HBO) – já na altura com o dedo de Mann – e que vivia da opulência (e decadência) de Miami dos anos 80, da violência sem fronteiras morais e da forma desprendida como as suas personagens (principalmente da personagem de Don Johnson, agora interpretada por Colin Farrell) encaravam a vida. O filme é diferente (na banda sonora, no estilo de vida, no tipo de violência) mas isso não é uma traição à série original mas antes uma actualização. De resto tem o condão de continuar a parecer internacional, ou melhor, a expressão correcta agora é globalizada com todas as características inerentes a isso, ou seja, multilingue, multirracial, multinacional. O prazer que se retira, ou não, deste filme depende muito das expectativas que se constroi, ou seja, se estamos à espera dum blockbuster de verão saímos da sala com a sensação que foi um dos melhores – senão o melhor – filme de verão deste ano mas se formos à espera dum policial “noir” com uma história densa e personagens empolgantes corremos o risco de sair com a sensação que faltou algo para que este filme fosse memorável.


Mulheres, armas e automóveis, versão Michael Mann

Resta referir que a química entre a dupla de protagonistas não é a melhor e que a densidade e interesse da história – do subplot – da personagem de Jamie Foxx é confrangedora (para não dizer angustiante). Para a “história” cinematográfica fica o “pontapé de saída” da relação entre as personagens de Colin Farrell e Gong Li com a exorbitante viagem a Havana...

Síntese da Opinião: É um filme com os defeitos e qualidades do cinema de Mann, ou seja, maniqueísta mas cheio de esplendor visual e técnico. É a prova que um filme pode estar cheio de testosterona e, mesmo assim, ser um espécime agradável da arte que representa, neste caso da sétima.

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