Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

domingo, outubro 29, 2006

923. Liberalizar o mercado da electricidade?

Não sou especialista nem tenho conhecimentos - técnicos e económicos - suficientes do sector da energia para emitir opiniões cabais mas tenho uma certeza, concretizando, algo vai mal na regulação deste sector.

1. Aumento no preço da electricidade: Aqui está um bom exemplo da "ignorância" que esventra o nosso país. A Comunicação Social, dona do sentido da verdade, apresenta o aumento sugerido pela Entidade Reguladora como um roubo de sacristia (15,7% para os clientes domésticos) e faz um folhetim com as declarações do Secretário de Estado por este afirmar que são os consumidores que têm que pagar o défice tarifário porque, no passado, não pagaram o que deviam. Esta sucessão de notícias é um completo disparate e culmina com reacções positivas à medida - apesar da crítica às hesitações - do Ministro da Economia em garantir aumentos máximos de 6%. Todo este processo está ferido de falta de seriedade. Há ainda alguém que pense que se o custo de um determinado produto ou serviço não está reflectido no preço final ao consumidor que esse custo não está a ser financiado, na mesma, de outra forma, ou seja, através dos contribuintes no pagamento dos seus impostos?

2. Liberalização do mercado da electricidade: Em vez de discutir a espuma do problema - as declarações políticas dos intervenientes - é preciso ir ao cerne da questão. E a questão central é simples: vale a pena liberalizar o sector da energia? Se a resposta é sim só há uma forma de criar condições para a concorrência no sector e isso passa pelo fim da subsidiação do preço final ao consumidor. Vamos ser claros e frontais: há défice tarifário nomeadamente nas tarifas de Baixa Tensão Normal. Desta forma, para dar seguimento à liberalização do sector, os tais aumentos propostos pela Entidade Reguladora deviam ter sido respeitados. A opção do Governo em "só" aumentar o custo ao consumidor da energia por um tecto máximo de 6% cria um problema que é o pior dos dois mundos, ou seja, o aumento faz com que o sector nem seja peixe nem carne. Não é possível o sector ser concorrencial quando o preço final ao consumidor está abaixo do custo real da produção da energia. Relembro que, desde Setembro, o sector está oficialmente liberalizado mas só oficialmente porque na prática parece que foi só um anúncio pomposo sem qualquer reflexo real.

3. A liberalização é útil ou viável? Tenho a mais profunda desconfiança que a liberalização do mercado da electricidade vai trazer ganhos à economia. Desconfio porque há sectores que pelas suas características - barreiras naturais à entrada das empresas, custos de investimento, dimensão do mercado, economias de escala - não dão garantias que a concorrência seja útil ou até viável. Há muitos exemplos de sectores em que a concorrência não veio trazer nem vantagens aos consumidores nem um maior ritmo de inovação (admito que são excepções mas excepções a ter em conta). Mas, apesar da minha desconfiança, vou dar por barato que a liberalização vai trazer vantagens ao consumidor e ao contribuinte e, deste modo, a decisão do Governo, apesar de aparentemente altruísta e generosa, não contribui em nada para a liberalização do sector.

4. Impacto do aumento dos preços finais ao consumidor: Imaginemos agora que o Governo tinha optado pelo aumento global do preço da electricidade de 12,4% (e 15,7% para os clientes domésticos). Qual seria o impacto desta medida na economia? Não sou capaz de avaliar a complexidade desta medida na "economia real" mas cabe ao Governo estudar e divulgar estes dados meses antes de decidir-se por uma percentagem de aumento do preço da electricidade. Desconheço qualquer tentativa de esclarecimento cabal por parte do Governo da estratégia para o sector. Há, se o aumento for significativo, uma transferência brusca do ónus dos custos da electricidade do contribuinte para o consumidor. À primeira vista o consumidor também é contribuinte e vice versa mas não é bem assim. Esta tranferência teria necessariamente um impacto significativo no peso da contribuição dos vários tipos de clientes e confesso que isso pode ter assustado o Governo uma vez que esta mudança feita de forma radical podia criar sérios problemas de adaptação dos diversos agentes económicos.

5. Conclusão: Desta história há duas ilações a retirar. Em primeiro lugar que grande parte da Comunicação Social, não quero generalizar, só quer criar ruído e pouco contribuí para a discussão séria dos temas. Em segundo lugar que o Governo tem a obrigação de explicar melhor as suas decisões porque se este aumento "moderado" foi para amortecer a transição tem que explicar exactamente isso com a informação adicional do prazo temporal em que quer que o sector seja realmente concorrencial porque a sensação que fica é que não tomou nenhuma opção, nem por uma liberalização a sério nem pela manutenção da subsidiação diferenciada da utilização da electricidade.

segunda-feira, outubro 23, 2006

922. Urgências


É tudo menos inocente a divulgação que, supostamente, 40% das idas às urgências não se justificam. E só não aparecem estatísticas sobre a quantidade de internamentos injustificados porque isso seria por demais burlesco. Desta forma pode o Ministro da Saúde, através de declarações ou dum cuidado silêncio, escudado por estes números, dizer que, afinal, o que se justifica no meio de tudo isto é o aumento das taxas moderadoras. Puro engano!

Em primeiro lugar, e isso é claro, estas estatísticas não justificam a existência de taxas de internamento já que estas nunca poderão ser defendidas através da moderação por parte do doente (não é este que escolhe ser internado). Depois quem vai às urgências não é médico e não sabe, à partida, avaliar a gravidade do seu estado de saúde em múltiplas ocasiões (a quem já não aconteceu ser criticado por uma ida desnecessária à urgência e a quem já não aconteceu ser criticado por não ter ido lá mais cedo?). E, finalmente, se o utente/ doente vai sistematica e desnecessariamente às urgências é porque obtém lá algo que ou não lhe devia ser dado (justificações, atestados, medicamentos) e aí a responsabilidade é também do profissional de saúde ou porque não existem "barreiras" intermédias entre, desculpem o pleonasmo, a urgência duma urgência e a morosidade duma consulta.

É necessário combater as idas desnecessárias às urgências mas não através da dupla oneração (e dupla discriminação) do SNS, via impostos e via taxas, e da multiplicação da burocracia. E, mais importante, não é sério tentar encontrar justificações para uma medida que visa, de forma pura e simples, e unicamente, financiar o SNS. As medidas devem ser outras, porventura menos fáceis, e não é através de estatísticas lançadas convenientemente para a Comunicação Social que a minha opinião vai mudar. Há um cheiro de demagogia no ar o que não é uma surpresa porque isso geralmente acontence quanto se tenta defender o indefensável, camuflado por uma "nobre" tentativa do Estado em educar/ moderar o "povo".

domingo, outubro 22, 2006

921. Orçamento de Estado 2007

Sinto que tudo mudou mas nada mudou. É certo que há mais credibilidade, há menos rectificações, há menos "embustes" orçamentais, há mais competência, há mais coragem, há mais vontade. É até provável que este Governo seja dos melhores que temos tido. Mas será que algo mudou? Onde é que já vi esta voragem fiscal, esta falta de capacidade de realmente revolucionar o status quo da nossa economia, esta política de constantes pequenos acertos que deixa tudo na mesma?

domingo, outubro 15, 2006

920. Alberto João Jardim, o oprimido


Certas políticas conduzem a certos resultados orçamentais. É uma certeza matemática. Quem atira, literalmente, dinheiro ao mar - as opções de investimento da última década são atentados ecológicos e paisagísticos sem qualquer tipo de utilidade económica ou social - fica, com naturalidade, para além de endividado, com estruturas com elevado custo de manutenção e com capacidade de gerar riqueza próxima do zero.

1 + 1 é igual a 2 mas há quem queira transformar esta soma em 3 e, infelizmente, com algum sucesso. 3 representa o resultado dum pensamento político brilhante vindo dum homem com reconhecida honestidade intelectual, ou seja, a culpa da asfixia orçamental a que o povo da Madeira vai estar subjugado no tempo que aí vem é das forças do mal, é do sr. Santos e do sr. Sócrates. Brilhante, caro Jardim.

sábado, outubro 14, 2006

919. Alberto João Jardim, a vítima

Há três meses Alberto João Jardim admitiu que a Madeira tinha uma situação financeira grave (que surpresa!!!). A culpa era da União Europeia. Escreveu uma carta ao Governo da República para que este fosse solidário. Três meses depois, afinal, e só porque do "céu" não chegou outro "perdão" milagroso, a culpa da grave situação financeira que, reparem, chegará no futuro, é, era e sempre foi do Governo da República.

quarta-feira, outubro 11, 2006

918. Indefensável

O Ministro da Saúde, Correia de Campos, anunciou hoje que, para além do aumento das taxas moderadoras no acesso aos serviços hospitalares, também vai passar a ser cobrada uma taxa de utilização aos doentes em serviços como o internamento hospitalar. Estas medidas são uma completa perversão do que deve ser o Sistema Nacional de Saúde (SNS) e, mais grave, são um contributo desastroso para a burocratização do sistema.

1. Taxas Moderadoras no acesso aos serviços hospitalares: Compreendo que estas taxas sirvam como “moderador, racionalizador e regulador do acesso às prestações de saúde” e, em abono da verdade, há um uso excessivo por parte do utente das urgências hospitalares e das consultas externas. Mas como o sistema deve ser universal e gratuito - gratuito no sentido em que a carga fiscal já financia o SNS - não se compreende que esta taxa esteja a ser desvirtuada de forma abusiva a financiar o sistema;

2. Taxas de utilização aos doentes em serviços como o internamento hospitalar: Já esta medida é completamente indefensável sobre todos os pontos de vista. Em primeiro lugar não funciona o argumento que esta é uma taxa moderadora porque os casos de abuso no internamento hospitalar são marginais e, em segundo lugar, porque existe uma dupla tributação - ainda por cima diferenciada - inaceitável (via impostos e via utilização);

3. Burocracia: Tenho conhecimento de causa do caos administrativo que são os serviços hospitalares de cobrança da utilização dos serviços hospitalares. Ora é a fila gigantesca para quem tem que pagar, ora é a fila para ter uma justificação de falta, ora é outra fila para quem está isento, ora é o envio de cartas para quem ficou a dever, e por aí fora. Criar novas taxas em serviços públicos que até agora estão isentos de pagamento directo é criar burocracia, exactamente o que este país não precisa porque, infelizmente, já tem em excesso.

É preciso definir que SNS queremos. A saúde deve ser universal e, por isso, o SNS é oneroso mas, para garantir isso, devem haver dois tipos de solidariedade: entre os que têm mais meios e os que têm menos e entre os que têm a sorte de necessitar de menos cuidados de saúde e os que necessitam de mais cuidados de saúde. Por isso mesmo existem contribuições quantitativas diferenciadas em sede de pagamento de IRS. Estar a criar novas diferenciações entre níveis de rendimento e novos custos para o utente na utilização é uma completa aberração porque é uma solução burocrática e socialmente injusta.

segunda-feira, outubro 09, 2006

917. Filosofia Barata: Grão de Areia no Universo (3)

Textos anteriores:
908. Filosofia Barata: Grão de Areia no Universo (1)
909. Filosofia Barata: Grão de Areia no Universo (2)




Subscrevo a teoria que Carl Sagan explicou num dos seus livros. Se extrapolarmos que o universo tem um ano – desde o Big Bang até hoje - então a existência do homem representa, em proporção, bem menos do que um segundo desse ano. Podemos afirmar, à luz desta teoria, que o homem, na continuidade do tempo (duração limitada, por oposição à ideia de eternidade), é uma mera nota de rodapé. Se a este pensamento adicionarmos a ideia que o intelecto do homem, pelo menos neste estágio da evolução, é limitado no sentido em que não tem capacidade para resolver simples equações matemáticas sem a ajuda de acessórios ou, muito menos, de compreender o universo então é uma enorme desilusão se nós – homo sapiens – formos tudo o que este universo (conjunto de tudo quanto existe) tem para oferecer, ou dito de outra forma, se formos o zénite das formas de vida. Será que na sua imensidão e complexidade o universo – ou um qualquer deus, na opinião dum homem religioso – não foi capaz de originar formas de vida com maior capacidade de compreensão do que lhes rodeia? Felizmente acredito, de forma infundada e apenas especulativa, que o homem não é o zénite das formas de vida...

Há quem discuta o que é a “vida”. Este conceito não é consensual e, no campo científico, discute-se se até as estrelas não devem ser consideradas como seres vivos. A “vida” não tem que ser consciente nem pode ser padronizada mas tem sempre um início e um fim e nós, uma forma de vida aparentemente limitada, devíamos ter outra visão da nossa existência. Mesmo que hajam perspectivas razoáveis que vamos evoluir, como espécie, para formas de vida mais complexas não podemos perspectivar se a nossa espécie vai ser viável, ou melhor, qual o limite temporal da viabilidade da nossa espécie. Até agora apenas sabemos que “existimos” há muito pouco tempo – no horizonte temporal do universo – e que evoluímos de certa forma e que vamos evoluír de uma outra qualquer forma que, para já, desconhecemos. Pouco mais sabemos. Mas, apesar de todas as incertezas, insistimos em, de forma até fanática, defender certezas e, cheios de razão, embarcamos em guerras que representam a luta entre visões da “vida” que um ser superior supostamente defende. A religião, do meu ponto de vista, deve ser encarada como uma questão de fé, que deve ser respeitada e não imposta e, acima de tudo, não deve ser motivo para conflitos que nunca vão ser ditados pela razão. Infelizmente se uma das religiões, que não seja a nossa, ameaça propagar-se para a nossa vizinhança isso é encarado como uma ameaça para o nosso investimento mais valioso, ou seja, para a perpetuação da “vida após a morte” que, arrisco dizer, "construímos" e que insistimos em acreditar por pura fé.

Pessoalmente não consigo sentir essa “fé”. Como posso acreditar num deus – ou deuses – cuja suprema criação é o homem? Partindo do pressuposto que o homem não evoluíu de formas de vida ainda mais “primitivas”, pressuposto esse difícil de engolir, como é possível que tudo o que existe, na sua maravilhosa complexidade, esteja reduzida ao homem? Prefiro acreditar que somos uma pequena peça duma engrenagem bem mais complexa, inacessível ao nosso raciocínio e que há um “mundo” de infinitas possibilidades de evolução para nós ou para qualquer outra espécie. Nós somos um elo dum fluxo, elo esse que liga o passado ao futuro mas que é limitado temporalmente, fluxo esse que transporta a “vida” para formas cada vez mais adaptadas e complexas. Acredito que há um número infinito de fluxos, por todo o universo, que conduzem tudo e todos no sentido da descoberta. É só pena sermos um grão de areia no universo...

sexta-feira, outubro 06, 2006

916. Em DVD (séries de tv): V - The Mini Series; V - The Final Battle







Estar a rever uma série da “infância” tem sempre o risco associado de estar a matar uma memória. E não há nada mais importante do que as míticas memórias de infância...

Quantos, entre nós, já ficaram desiludidos ao rever o MacGyver, o A-Team ou o Knight Rider? O nosso imaginário prega-nos partidas e o que um dia foi por nós endeusado e guardado na nossa memória dourada é hoje um produto banal da época em que foi transmitido. Mas, felizmente, há excepções e este V – The Mini Series e V – The Final Battle sobrevive à erosão do tempo com dignidade. Os efeitos especiais estão datados, as personagens têm pouca densidade e o enredo é simplista mas, mesmo assim, é um produto que não envergonha.

V conta a história do primeiro contacto dos terrestres com seres de outros planetas – os Visitantes. Os nossos “amigos” alienígenas prometem o céu e a terra mas, por baixo da superfície, escondem-se répteis sedentos pelos recursos do planeta e, tal como nazis inter planetários, subjugam os habitantes da Terra a uma nova era de fascismo. Os humanos, claro, formam uma resistência feroz aos répteis e embarcam numa luta épica pela liberdade. Querem melhor? ;)

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915. Em DVD: Elizabethtown





Realizador: Cameron Crowe
Elenco: Orlando Bloom, Kirsten Dunst, Susan Sarandon, Alec Baldwin

Um melancólico e idealista hino à vida!

Síntese da opinião: Recomendado para quem gosta duma comédia romântica com o tom certo, ou melhor, com o toque nostálgico - e leve - de Cameron Crowe.

P.S. Como em qualquer filme de Cameron Crowe recomendo a banda sonora do filme.

Memórias do Filho do 25 de Abril: Sétima Arte (todos os textos deste blogue sobre cinema)

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quarta-feira, outubro 04, 2006

914. Segurança Social (4)

Escrever num espaço aberto como é um blogue dá liberdade ao contraditório. É difícil, mesmo assim, que um leitor irregular dum blogue apanhe o fio à meada duma discussão com vários capítulos e, desse modo, a discussão fica cada vez mais fechada em si mesma. O Fernando – autor do blogue A hora que há-de vir – replicou de novo um texto que servia de resposta a um comentário que tinha colocado neste blogue, com a simpatia e rigor que lhe reconheço. Estar a replicar novamente é um dever com o risco, assumido, de desinteressar a quem chega agora à discussão. Não vou recorrer a um texto elaborado mas apenas tentar acentuar as nossas diferenças porque, no fundo, as semelhanças no pensamento até já estão bem vincadas.

Colocando a questão nos termos em que deve ser colocada. A Segurança Social para ter saúde precisa de alterar o modelo de financiamento. Hoje, não faz sentido manter um sistema baseado apenas nas contribuições das empresas (no número de trabalhadores que a empresa emprega) e nos trabalhadores. Não faz sentido penalizar empresa pela quantidade de trabalhadores que emprega. É contra natura. É um apelo ao despedimento, não facilita o emprego, cria dificuldade a pequenas empresas, com grande número de trabalhadores, como as empresas de têxtil, vestuário ou calçado.


Eu não “viro as minhas costas” a uma solução deste género. Mas duvido da sua aplicabilidade. O sistema actual – que necessita de alterações óbvias – onera, grosso modo, a empresa via massa salarial. Esta via faz com que uma empresa que tenta maximizar os lucros, como tentam todas, faça algo que me parece natural, ou seja, que tente maximizar a produtividade por trabalhador. Desse modo a empresa tenta potenciar a relação lucro com custos por trabalhador (salário adicionado a descontos para Segurança Social) o que, grosso modo, é a produtividade por trabalhador.

O que defendes – uma maior tributação dos lucros e uma menor tributação da massa salarial - tem vantagens e riscos. Para já devo dizer que não acho líquido que o impacto sobre o emprego tenha a dimensão que defendes porque, mesmo que diminuam os encargos por trabalhador, uma empresa pode não sentir necessidade de contratar mais trabalhadores uma vez que isso ia implicar alterar a sua dimensão óptima. O que, no fundo, estou a dizer é que uma diminuição dos custos por trabalhador e um aumento da tributação dos lucros pode não incentivar a contratação de mais trabalhadores uma vez que ambos podem anular-se. O resultado final é incerto.

O maior “perigo” é o sistema deixar de ter previsibilidade, ou seja, passa a depender de algo ainda mais incerto do que a massa salarial, ou seja, do lucro. O lucro pode ser camuflado de forma mais fácil do que um salário, a pressão sobre o sistema numa recessão ia ser ainda maior e, ainda por cima, hoje em dia é fácil “mudar a nacionalidade” do lucro. Fico reticente em defender um sistema que dependa da volatilidade do lucro. A proposta do Governo, que indexa as reformas ao crescimento económico, é a antítese do que defendes, concretizando, em períodos de desaceleração económica continuada as reformas têm aumentos menores o que é sensato nesse contexto ao invés de diminuirem as receitas pela quebra dos lucros, como defendes, o que seria contra cíclico. A grande vantagem, admito, a haver realmente um aumento do número de trabalhadores, é possibilitar menores gastos com o subsídio ao desemprego.

A tua discordância com a contribuição dos lucros das empresas. Bem a mim parece-me uma solução justa. Maiores lucros maior participação. Bem pior (e tu não estás a lembrar disso) é “obrigar” a pagar mais mesmo não tendo ou tendo lucros menores, empresas só porque empregam mais trabalhadores.


A grande questão está reflectida neste argumento que pode ser falacioso. Não conheço nenhuma empresa que contrate trabalhadores em excesso, ou seja, se a empresa tem trabalhadores “a mais” – que não corresponde a uma maior produtividade – então não faz sentido mantê-los. Podes defender que há sectores que devem ser premiados por terem mais mão de obra – trabalho intensivo – mas eu prefiro a solução inversa, ou seja, a aposta em empresas criadores de riqueza que arrastem a economia como um todo, e o emprego de forma indirecta, via investimento e poder de compra.

Como deves já ter subentendido a contribuição progressiva refere-se aos salários. Também me parece justo que os trabalhadores com maiores rendimentos, a partir de um determinado vencimento, contribuam mais um pouco, com uma taxa de solidariedade entre 1 a 5 por cento.


Esta medida cria uma distorção na justiça redistributiva. Passo a explicar. A redistribuição já é feita via despesa da Segurança Social – é redistribuída dos que descontaram mais para os que descontaram menos (mesma percentagem, montantes diferentes) – e ter a mesma atitude via receita (percentagens diferentes) é uma duplicação da redistribuição.

Conheço pessoas que só nos últimos cinco anos declararam descontos. Mas sabemos quem são. São pessoas do campo, na sua maioria, pessoas que viveram com as maiores dificuldades do caraças, para sustentar as suas famílias e que agora recebem um pequeno tributo solidário da sociedade.


Infelizmente não são só as “pessoas do campo” que usam este expediente porque em quase todos os profissionais liberais e ENI os rendimentos disparam no fim da carreira contributiva o que é uma forma legal de “distorcer” o sistema. É óbvio que o Governo aproveita esta falha para nivelar por baixo as reformas mas, até aqui, acho que a reforma vai no sentido correcto.

Por fim, dizes, “Se as reformas são baixas é porque os salários (e logo a produtividade) também o são e estar a aumentar as reformas sem aumentar a produtividade é estar, mais uma vez, a quebrar a solidariedade intergeracional.” A produtividade não se resolve por decreto. E ainda um dia destes o fórum para a competitividade disse que Portugal tem défice de gestão de qualidade, como explicação. A solidariedade intergeracional não tem nada a ver com a produtividade. Tem a ver com vontade politica e coragem.


Infelizmente, e como bem refere o professor Ricardo Reis no artigo que reproduzi no texto anterior, esta questão é cada vez mais política. Mas é incontornável afirmar que não é o aumento da idade da reforma e a reestruturação das despesas e receitas que estão a colocar em causa a solidariedade intergeracional porque esta já foi posta em causa pela geração actual. Se o sistema é insustentável é porque esta geração exige demais da próxima no sentido em que tem regalias para as quais não contribuíu na mesma proporção. Reformas com o cálculo actual e com a idade de reforma actual são injustas em relação aos nossos descendentes e esta correcção é necessária. Não desisto de defender que a chave para este problema está na produtividade e, dada a produtividade actual, é necessário corrigir os erros do passado antes que o sistema fique em risco de forma definitiva. Tens razão ao defender que a produtividade não se resolve por decreto mas também o combate à pobreza não se resolve por decreto ou com retórica. Por tudo isto a solidariedade social e intergeracional só é possível se apostarmos em criar condições para a criação de riqueza porque só podemos redistribuir mais – em “doses” dignas (definição subjectiva) – quando criarmos mais riqueza. Estou de acordo que pode haver formas mais eficientes de redistribuir o "bolo" actual mas chegamos ao limite do que devemos tirar do "bolo" para redistribuir, ou seja, só aumentando o "bolo" e mantendo a percentagem de redistribuição é que podemos almejar mais justiça social.

terça-feira, outubro 03, 2006

913. Segurança Social (3)

O Rui Pedro, do blogue Apontamento, recomenda a leitura da coluna de Ricardo Reis no Diário Económico. Ricardo Reis é professor de Economia na Universidade de Princeton e não só aceitei a sugestão do Rui Pedro como reproduzo aqui o texto na íntegra:


Para uma discussão séria

A reforma da segurança social está em cima da mesa. De um lado, o Governo propõe que se mantenha, com ajustamentos, o sistema actual em que os trabalhadores hoje pagam as reformas dos aposentados hoje. Do outro lado, os reformadores propõem um novo sistema no qual as contribuições para a Segurança Social hoje são colocadas em contas individuais de poupança para sustentar as reformas no futuro.

O que me surpreende no debate é o domínio dos reformadores. O incauto que lê a imprensa ou os ‘blogues’ conclui que as contas individuais são uma prescrição básica de boa ciência económica. Não são. Ao contrário da defesa do comércio livre entre nações ou do benefício da concorrência, não se encontra esta lição nos manuais de economia.

Isto traz dois perigos. Por um lado, a discussão corre o risco de ser menos séria, com opções ideológicas mascaradas de argumentos económicos. Por outro lado, os reformadores caem na tentação de usar falácias disfarçadas. George Stigler conta um episódio em que, num debate com um adversário menos esclarecido, usou argumentos falaciosos. O seu amigo, Milton Friedman, ficou furioso. Mesmo que Stigler tenha ganho o debate, ao usar argumentos falsos, enfraqueceu a sua causa.

Comecemos pelas falácias no debate actual. Em primeiro lugar, não é verdade que o sistema actual seja insustentável. Se se indexar a idade da reforma à esperança de vida, penalizar as reformas antecipadas, e deixar de se prometer reformas milionárias sem receitas que as justifiquem, o sistema pode durar muitos anos. Estas mudanças podem ser feitas de uma forma sistemática com leis simples e fórmulas transparentes sem alterações de fundo no sistema.

Em segundo lugar, não é verdade que não existam custos de transição. Quando a Segurança Social surgiu, fez-se a opção política de pagar reformas àqueles que nunca tinham feito descontos. Se se acabar com o sistema actual mudando para contas individuais, a geração presente, que descontou mas nunca receberá, terá efectivamente pago a dívida da geração inicial. É este o custo de transição. Pode-se emitir dívida pública para partilhar esta despesa entre a geração presente e as gerações futuras. Mas alguém tem de pagar a dívida. (Esta dívida está escondida no sistema actual mas também esta lá.)

Em terceiro lugar, não é verdade que seja preciso usar as contribuições para a Segurança Social para criar contas individuais de poupança. Nos EUA, o sistema de Segurança Social é tal e qual como em Portugal, mas com um limite máximo nas contribuições anuais e um tecto nas reformas pagas. Quem ganha mais pode, com as suas poupanças e apenas se quiser, pôr mais algum de lado para quando se reformar. O Estado decide subsidiar estas contas através de isenção de impostos, tal como faziam os saudosos PPR em Portugal. Estas contas não são incompatíveis com um sistema de base como o actual.

Passemos às verdadeiras diferenças entre os dois sistemas. Com contas individuais, promove-se a liberdade individual. Cada um investe as suas poupanças para a reforma como quiser. A população investe na economia directamente, e deixa de depender das transferências do Estado para a sua reforma.

No sistema actual, promove-se a partilha intergeracional de riscos. Se uma geração se sacrifica em guerras conquistando a liberdade para a geração futura à custa de menores rendimentos, conta com a geração futura para lhe pagar a reforma. Se outra geração tem a felicidade de viver durante um tempo de prosperidade então vai pagar mais do que alguma vez virá a receber. Os riscos que cada geração enfrenta são partilhados por todos.

Duas outras diferenças podem ou não estar presentes. No sistema de contas individuais, se estas criam nas pessoas melhor percepção de que é preciso poupar para a reforma, então talvez aumentem as poupanças e o crescimento económico. Por sua vez, no sistema actual, mais facilmente se protegem viúvos e incapacitados, se não existirem outros mecanismos de protecção social.

No debate sobre a segurança social, os economistas podem ajudar no desenho de qualquer um dos dois sistemas de forma a torná-los mais eficientes. Mas entre os dois sistemas a escolha é política e ideológica no sentido mais clássico destes termos: é uma escolha entre liberdade ou segurança.


Aproveito também para recomendar o texto do Rui - A Segurança Social à la Compromisso Portugal - sobre a proposta do Compromisso Portugal.

segunda-feira, outubro 02, 2006

912. Segurança Social (2)



O Fernando, do blogue A hora que há-de vir!, escreveu o seguinte comentário na caixa de comentários do texto 910. Segurança Social:

Ricardo, a sustentabilidade depende da modelo de financiamento apenas. O modelo estrutural concordo que seja o actual, o da solidariedade intergeracional. Mas é na forma de financiamento que residem as soluções para o problema da sustentabilidade, a fim de resposter aos problemas demográficos e de aumento da esperança de vida. O PSD e o CDS ao retirarem parte das contribuições para fora do sistema CRIAM um problema de imediato: Como pagar as reformas de HOJE, entrando menos dinheiro na Segurança Social. O PCP bem.. a receita do costume; ir buscar mais dinheiro às empresas que geram mais valias. A do Bloco parece-me a mais razoável (para a conhecer completa só no site do bloco)mas essencialmente passa por novas formas de financiamento; seja pela participação dos lucros no financiamento do sistema, a par dos rendimentos do trabalho; seja pela criação de uma contribuição de solidariedade (com incidência progressiva, de acordo com os níveis salariais); seja ainda pela redução da contribuição patronal na taxa social única, de modo a não inibir a criação de emprego. Esta proposta ao contrário da do Governo que mantem a fórmula ultrapassada de financiamente nos dois pilares empresas/trabalhadores, sendo que as empresas pagam em função do número de trabalhadores o que por si não estimula a criação de emprego. Para além disso prolonga a idade da reforma ainda mais, ou aplica mais uma taxa de sustentabilidade para todos a pretexto do aumento da esperança média de vida, e ainda baixa o valor das reformas e antecipa a nova fórmula de cálculo. E é preciso notar que temos valores da reforma baixissimos para mais de um milhao de pessoas. O Governo e os neoliberais na generalidade não querem perceber que a é preciso dar qualidade à segurança social e isso não se faz com aumentos de idade da reforma ainda mais (quando há tantos factores que podem corrigir esse aspecto)ou diminuindo as prestações sociais. É nisto que se distinguem os socialistas a sério dos falsos socialistas. Hoje a pensão média não atinge sequer os 300 euros. Mais de 1,8 milhões de pensionistas recebe menos de 375 euros mensais. E que os 2 milhões de pobres que temos são a maior parte, nos pensionistas. Isto para não falar nas reformas do trabalhadores agrícolas e outras reformas com pouco mais de 200 euros. O que há que repensar é pois o modelo de financiamento que está completamente desajustado aos tempos e não baixar reformas com inviezamentos das fórmulas de cálculo.


A nossa visão sobre a Segurança Social - passo a escrever na segunda pessoa do singular uma vez que um pouco de informalidade entre velhos gadliadores de ideias é sempre bem vinda - não é coincidente. Não é que as diferenças sejam irreconciliáveis mas, mesmo assim, existem importantes nuances. Permite-me uns comentários ao teu comentário:

"O modelo estrutural concordo que seja o actual, o da solidariedade intergeracional."


Não existe, por isso discordo, actualmente, solidariedade intergeracional. Por um lado há um desequilíbrio entre quanto temos descontado e o número de anos que o temos feito e o que recebemos durante a reforma e durante os períodos em que não trabalhamos e, por outro, não se tem criado provisões que permitam dar segurança às gerações futuras. Quer se queira quer não, e apesar de concordar que a evasão também devia ser mais combatida, o sistema, tal como está, é insustentável. E é importante haver algum consenso nisto.

"O PSD e o CDS ao retirarem parte das contribuições para fora do sistema CRIAM um problema de imediato: Como pagar as reformas de HOJE, entrando menos dinheiro na Segurança Social. O PCP bem.. a receita do costume; ir buscar mais dinheiro às empresas que geram mais valias."


Este ponto é pacífico entre nós, ou seja, os primeiros colocam em causa a redistribuição - que eu acho fundamental e conforme defendo no texto anterior - e o PCP não premeia as boas empresas.

"A do Bloco parece-me a mais razoável (para a conhecer completa só no site do bloco)mas essencialmente passa por novas formas de financiamento; seja pela participação dos lucros no financiamento do sistema, a par dos rendimentos do trabalho; seja pela criação de uma contribuição de solidariedade (com incidência progressiva, de acordo com os níveis salariais); seja ainda pela redução da contribuição patronal na taxa social única, de modo a não inibir a criação de emprego."


Há, na argumentação do Bloco, pontos em que discordo. Discordo da participação dos lucros no financiamento por uma razão muito simples: uma economia competitiva favorece todos, trabalhadores e empresários. Onerar ainda mais o lucro é prejudicar as "boas" empresas em relação às "más". A contribuição das empresas, na minha óptica, deve ser independente do lucro. Confesso que não sei o que quer dizer "criação de uma contribuição de solidariedade (com incidência progressiva, de acordo com os níveis salariais)" uma vez que a contribuição das empresas já é progressiva com os salários. A única parte que posso concordar é com políticas que promovam o emprego porque aí a poupança para o sistema é óbvia.

"É nisto que se distinguem os socialistas a sério dos falsos socialistas. Hoje a pensão média não atinge sequer os 300 euros. Mais de 1,8 milhões de pensionistas recebe menos de 375 euros mensais."


É aqui que mais discordo da tua argumentação. Eu defendo a redistribuição mas não podemos almejar, quando uma fatia gigantesca de pessoas contribui pouco para a SS por ter salários baixos, atingir valores de reforma muito altos. A reforma deve ter algum sentido de justiça e deve ser equilibrada entre quem muito desconta e quem tem poucas possibilidades económicas para descontar no sentido de criar um mínimo de dignidade sem onerar excessivamente quem desconta. Estar a defender reformas numa proporção mais desigual (é difícil, mesmo assim, admito, definir que proporção é justa) não é ser socialista, é estar a colocar em perigo este sistema. Se as reformas são baixas é porque os salários (e logo a produtividade) também o são e estar a aumentar as reformas sem aumentar a produtividade é estar, mais uma vez, a quebrar a solidariedade intergeracional.

911. Lula da Silva

Fiquei agradado com os resultados eleitorais no Brasil. A não eleição do Presidente Lula à primeira volta - que representa uma enorme perda de popularidade em relação às últimas eleições - é um sinal claro de desilusão em relação às expectativas que este criou. O seu mandato foi, para mim, uma enorme desilusão. Em primeiro lugar porque além de não ter conseguido travar a corrupção na política brasileira foi, e isso é bem mais grave, pouco decidido no seu combate e, em segundo lugar, porque adoptou uma postura pouco rigorosa - diria até populista - em relação à economia. Ser-se de esquerda não é optar pelo facilitismo da demagogia dum discurso - e duma acção - que promove um combate inócuo aos verdadeiros problemas duma economia. Ser-se de esquerda é defender de forma decidida uma harmonia entre a solidariedade social e intergeracional e a defesa da produtividade da economia. Lula da Silva é, cada vez mais, o George W. Bush da esquerda, ou seja, um homem comprometido, sem visão, que nada trouxe de inovador à sua área ideológica, um bluff.