Filho do 25 de Abril

A montanha pariu um rato - A coerência colocada à prova - A execução de Saddam Hussein - O Nosso Fado - "Dois perigos ameaçam incessantemente o mundo: a desordem e a ordem" Paul Valéry, "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa, salvar a humanidade", Almada Negreiros - "A mim já não me resta a menor esperança... tudo se move ao compasso do que encerra a pança...", Frida Kahlo

terça-feira, novembro 28, 2006

929. Grão de Areia no Universo: Mário Cesariny

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar



poema

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca

terça-feira, novembro 21, 2006

928. Grão de Areia no Universo: Robert Altman

Morreu ontem Robert Altman com 81 anos. Há duas semanas li uma entrevista em que o realizador - apesar do prolongado declínio da saúde - falava com entusiasmo dos seus projectos para o cinema.

Para a história ficam dezenas de filmes dos quais destaco Gosford Park, Prêt-à-Porter, Short Cuts, The Player, MASH, McCabe and Mrs. Miller, Nashville...

domingo, novembro 12, 2006

927. Trivialidades

Escrever um blog exige alguma dose de coragem ... é o perder de alguma intimidade, especialmente a nível intelectual, partilhando opiniões.


É com prazer que dou as boas vindas ao David a este "mundo" de partilha de opiniões. Sei, por experiência, que o processo para encontrar o tom adequado com que queremos partilhar uma mensagem - ou mensagens - é demorado mas também tenho a certeza que - "a maioria divertidos, outros nem tanto" - vai ser uma busca fascinante e reveladora. Este processo de perda da "intimidade", através dum blogue ou através de outra qualquer forma de comunicação, é fundamental para contribuir para este processo de contínua interacção que é a vida.

Passo agora para o discurso directo. Sabendo de antemão a tua área de formação e tendo a certeza que vais querer contribuir de forma positiva para a forma com encaramos o Marketing em Portugal só posso regozijar que nos vás dar o prazer de reflectir um pouco sobre este tema, sobre o que se faz em Portugal e não só. Tenho a certeza que vai ser um dos temas de eleição porque, afinal, cada um escreve sobre o que gosta e sobre o que sabe. Se estiver enganado pelo menos surpreende-me...

Mas a escrita de um blogue não tem destinatários definidos - obviamente que não tens que surpreender ninguém como, na brincadeira, sugeria que fizesses no parágrafo anterior - ou, se tiver, estes variam com o tempo. A escrita, vais ver, adapta-se a essa vontade de transmitir algo a alguém ou a ninguém. No fundo tens toda a razão ao afirmar "que só se deve escrever com vontade". A escrita é, em primeiro lugar, um acto de auto satisfação. Só assim é que vale a pena, só assim é que é "útil".

Só posso desejar ... que comecem as Trivialidades...

926. Uma velha dívida...

O que acontece nos EUA, para o bem e para o mal, tem influência no mundo e, quer se queira ou não, este é o principal motivo da relação amor/ódio que nutrimos por este país. Muitas vezes a crítica é injusta porque quem está paralisado ou não tem coragem para agir não deve atirar pedras a quem escolhe estar exposto ao risco. Tem sido assim ao longo das últimas décadas, concretizando, a "Europa" critica hipocritamente o país a que sempre recorre quando está em apuros. Posto isto desengane-se quem pensa que estou a defender a administração Bush mas simplesmente não quero que esteja em causa o mérito do país EUA em ter chegado ao grau de influência que tem hoje no mundo.

Invadir o Iraque colocou em cheque grande parte do apoio, hipócrita ou sincero, que o mundo dava aos EUA para gerir os nossos "backyards". Esse tal apoio hipócrita que o mundo ocidental sempre deu, de uma forma ou outra, com maior ou menor equidistância, esbarrou na cegueira pós 11 de Setembro que atingiu a administração Bush. Num momento crucial do combate ao terrorismo que teve na invasão do Afeganistão o seu desenrolar natural surgiu uma batalha que não faz nem fez sentido para ninguém: a invasão ao Iraque.

O mundo não é um lugar perfeito. Num mundo perfeito derrubar o regime de Saddam seria uma prioridade. Mas num mundo minado por equilíbrios regionais frágeis e cuja prioridade é o combate ao terrorismo não é compreensível que tenhamos enveredado pela opção que, desde o princípio, sabíamos que não tinha defesa possível nem qualquer tipo de sustentação. Nunca vamos saber a(s) verdadeira(s) razão(ões) para a invasão ao Iraque e o que levou à deliberada distorção da percepção da opinião pública mas hoje é fácil fazer um balanço e, infelizmente, a invasão ao Iraque não teve qualquer utilidade: o país está em pré guerra civil, a Al Qaeda ganhou um palco a que nunca tinha tido acesso, o Irão ganhou influência regional e recursos indispensáveis para o combate ao terrorismo são, todos os dias, lá desperdiçados. Hoje nenhuma, nem uma, das razões "oficiais" ou "oficiosas" que justificaram a guerra foram provadas ou são sequer uma hipótese credível.

Não vou, demagogicamente, afirmar que os norte americanos castigaram Bush porque o mundo é um sítio "pior" depois da guerra. A verdade é que os norte americanos não estão preocupados se o Iraque está ou não estabilizado mas sim com a duração da intervenção que mina os orçamentos estatais sem fim à vista. Os democratas ganharam porque defenderam que a intervenção do Iraque nunca devia ter começado mas não apresentaram, para além da retirada, um só plano para a solução do problema no Iraque. Eu também defendo, sempre defendi, que a guerra no Iraque era uma oportunidade perdida no combate ao terrorismo mas neste momento só sei que a pior solução para o mundo é deixar o Iraque entregue a si próprio. A administração Bush cometeu um erro colossal mas a "solução democrata" implica um erro de ainda piores proporções. É nesta fase que se exige ao mundo ocidental apoio ao seu mais velho aliado porque é a "nossa" obrigação agir no nosso interesse colectivo mesmo que isso implique uma intervenção num cenário que todos sabemos que não devia ter sido criado. A "Europa" - a velha ou não - não pode assistir com regozijo ao definhar da situação porque não basta afirmar, com paternalismo e satisfação mal disfarçada, que a "razão" é "nossa" pelo simples motivo que o que hoje afecta os EUA e o mundo vai-nos afectar na manhã seguinte. Chegou a altura, popular ou não, de começar a pagar uma velha dívida...

sábado, novembro 04, 2006

925. O Politicamente Correcto

Li na imprensa que John Kerry tinha cometido uma "gaffe" e que foi "expulso" da campanha democrata para o congresso. A notícia, per si, não me causou nenhum engulho. Nunca fui admirador confesso de Kerry apesar de achar que seria um melhor Presidente dos EUA (pelo menos para o mundo) do que o actual.

Fui ler o artigo para ver o que o ex-candidato à Presidência poderia ter dito de tão grave. Reproduzo de seguida as declarações prestadas durante um encontro com estudantes da Universidade da Califórnia.

“Sabem, se aproveitarem a Educação, se estudarem muito, se fizerem os trabalhos de casa e um esforço para se saírem bem, então irão longe. Caso contrário, acabarão 'presos no Iraque'"

Podemos acusar John Kerry de ter sido "inconveniente" mas será que proferiu alguma mentira? Será que o Congresso, e a população norte americana, desconhecem a população alvo do recrutamento? Será demagógico afirmar que o recrutamento é feito nas zonas mais pobres e com mais desemprego dos EUA? Será, por fim, criticável alguém defender que há melhores oportunidades na vida do que a vida militar e que esta é só uma opção de recurso para uma camada da população que já nem ousa sonhar? Kerry, quanto muito, foi vítima da ditadura do politicamente correcto.

Nota importante: Não confundir o politicamente incorrecto com a ignorância!

sexta-feira, novembro 03, 2006

924. As vantagens da regulação

As alterações que o Governo introduz - ou vai introduzir - no sector bancário são excelentes notícias para o consumidor e, acima de tudo, justas. Considero que este é um excelente exemplo de como a regulação é importante.

O arredondamento das taxas de juro para o Crédito Habitação, nomeadamente da parte que está indexada à Euribor, vai ter regras precisas e vai ser feito à milésima. Esta medida vai possibilitar mais uniformidade e transparência uma vez que, actualmente, as regras de arredondamento variam entre bancos e muitas são arredondadas na casa das décimas para o quartil superior. As regras actuais dificultam a percepção do consumidor porque tornam a comparação difícil e fazem com que o spread anunciado seja falacioso. Com o arredondamento à milésima e com regras uniformes finalmente vai ser possível uma análise comparativa séria (apesar de ainda haver muitas divergências de custos nos produtos e serviços que geralmente acompanham o crédito à habitação). Simultaneamente as instituições bancárias vão ter tectos percentuais (0,5%) para as penalizações cobradas pela liquidação antecipada dum crédito o que vai facilitar a transferências de crédito (apesar de haver outras comissões que blindam o acesso do consumidor a melhores condições).

A regulação do sector não fica por aqui. Acaba, finalmente, o abuso da manipulação da data valor nos depósitos em numerário. Actualmente se chegarmos a um banco e depositarmos em numerário o montante fica imediatamente disponível mas com data valor do dia seguinte. Assim, se levantarmos ou transferirmos parte desse montante no dia do depósito vamos pagar juros o que, convenhamos, é um claro abuso. Assim a data valor dos depósitos em numerário vai passar a ser a do próprio dia. No caso dos cheques e transferências, quer entre contas do mesmo banco quer entre bancos diferentes, vai haver uma redução do prazo em que o saldo credor fica disponível (o saldo devedor - porque será? - já é instantâneo). Por fim vai ser proibido o débito de juros ou de qualquer despesa pela movimentação a débito dos fundos disponibilizados.

Não posso deixar de elogiar estas medidas. São coerentes, promovem a transparência para os consumidores e vão ter benefícios claros para a actividade económica. É, repito, um exemplo excelente de como a regulação deve funcionar.